Sobre a ação do tráfico no Cabo, o importante é o Estado retomar as rédeas
Para que a liberdade seja garantida às comunidades pobres do Cabo e das demais cidades da região metropolitana do Recife, é fundamental que o Estado retome as rédeas do controle de seu monopólio. Não adianta criar mais leis no intuito de ser mais severo na punição se há a certeza da impunidade do criminoso.
Na semana passada, a mando do tráfico, uma professora sexagenária e seu pequeno dog foram brutalmente assassinados no município do Cabo de Santo Agostinho, na Grande Recife. Isto não ocorreu porque simplesmente a professora se negou a obedecer aos traficantes. Ocorreu por causa da lacuna estatal em sua principal tarefa: o monopólio da violência e da força.
Cabo é uma das vinte e quatro cidades mais violentas do Nordeste em números absolutos de assassinatos. De acordo com os cálculos efetuados em cima dos dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), a taxa de homicídios do município foi de 65,2 por cem mil habitantes no ano de 2019. Um número 6,5 vezes superior ao limite tolerável pelas regras internacionais.
As causas para esse descontrole são múltiplas, mas a ausência do monopólio estatal da violência – conceito weberiano da maior importância para a consolidação do Estado de direito -, está na raiz desse problema.
Segundo a teoria da Escolha Racional de Gary Becker, o criminoso é um ator social e político motivado para a prática de crimes onde haja oportunidades. Segundo a teoria, o abandono por parte das instituições coercitivas – polícias, ministério público, justiça criminal e sistema carcerário - da manutenção da ordem pública, leva ao recrudescimento da criminalidade, sobretudo em regiões onde a ausência estatal vai além dessa manutenção.
A soma dos espaços desgovernados com altos índices de vulnerabilidade social é como acender um pavio de uma dinamite. Em pesquisas efetuadas pelo Núcleo de Estudos da Criminalidade, da Violência e da Qualidade Democrática (NEVCRIM/UFCG), destacamos, com base nessa teoria, que as cidades mais violentas do Brasil também apresentam indicadores de vulnerabilidade social altos, em descontrole.
No entanto, as causas mais significantes estatisticamente apontam para o papel institucional, ou seja, ao poder do Estado como monopolizador da violência legal. A ingerência da segurança pública termina sendo o principal fator, ou a principal causa, para o crescimento e descontrole da violência e, consequentemente, para a audácia dos criminosos como esses que assassinaram a senhora e o cachorrinho no Cabo de Santo Agostinho. O que aconteceu ali não foi “apenas” um homicídio, foi um atentado contra toda a sociedade, contra as liberdades.
Já registramos aqui a importância do combate ao tráfico de drogas como variável fundamental para o controle da criminalidade violenta no Nordeste. Em modelo estatístico sumarizado, comparando cinco indicadores apontados pela literatura do crime – apreensão de armas de fogo ilegais, renda domiciliar per capita, apreensão por tráfico de drogas, prisões e gastos per capita em segurança pública -, o indicador que apresentou maior significância estatística foi o de apreensão por tráfico de drogas, afastando qualquer hipótese contrária ao poder do tráfico como maior condutor da violência na região.
Para que a liberdade seja garantida às comunidades pobres do Cabo e das demais cidades da região metropolitana do Recife, é fundamental que o Estado retome as rédeas do controle de seu monopólio. Não adianta criar mais leis no intuito de ser mais severo na punição se há a certeza da impunidade do criminoso. Este quase sempre é um ator racional buscando otimizar o seu negócio ilegal. A previsibilidade de ser punido é mais eficaz do que a severidade da pena para o controle, a curto prazo, da violência.
José Maria Nóbrega, coordenador do NEVCRIM/UFCG