OPINIÃO

Agora é virar o quebra-mar que poderá salvar a nossa democracia

Mas em que ponto estamos, exatamente? Já iniciamos mais uma onda reversa ou estamos apenas em um momento de calmaria?

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RICARDO RIQUE

Publicado em 30/06/2022 às 10:51 | Atualizado em 30/06/2022 às 10:59
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O filme Escape From Alcatraz estreou em 1979, protagonizado por Clint Eastwood, e conta a história de um prisioneiro que consegue fugir da lendária prisão de segurança máxima, construída numa pequena ilha, no meio da Baía de São Francisco, na Califórnia, conhecida por ser à prova de fugas. O personagem Frank Morris consegue passar por guardas, grades e muros. Já estava pronto para atravessar a baía a nado e enfrentar o maior problema daquela fuga: a arrebentação, que quebra furiosamente nas pedras em volta da ilha. Morris observou e entendeu o mecanismo cíclico das ondas. Elas surgem em séries de 6 a 9 vezes, seguidas por uma breve calmaria. Foi contando as ondas e aguardando o mar manso em que o prisioneiro nadou para a liberdade.
Na costa oposta dos Estados Unidos, o cientista político Samuel Huntington também observava o movimento das ondas, especialmente o fato de avançarem com força para retrocederem em seguida, quando publicou o texto A Terceira Onda: Democratização no Século 21, em 1991, apenas 12 anos depois da estreia do filme sobre a fuga de Alcatraz. A obra demonstra que a democracia se estabelece e se desfaz como ondas ao longo da nossa história. A primeira onda ocorreu nos anos 1820, marcada pelo sufrágio universal, e durou cerca de 100 anos, quando ocorreu a primeira onda reversa. A partir de 1920, o número de Estados democráticos no mundo foi sendo reduzido até chegar a apenas 12. Com a vitória dos Aliados, na Segunda Guerra, uma nova onda democrática retomou o movimento com mais 24 novas democracias em quase duas décadas, atingindo o seu ápice em 1962, com 36 Estados democráticos. Depois desse segundo avanço, veio um outro recuo que derrubou 6 democracias. Hoje, estamos na terceira onda democratizante, que começou em 1975. Atualmente, temos 74 democracias, das quais 21 são consideradas plenas, segundo o Democracy Index, da Economist Intelligence Unit.
Mas em que ponto estamos, exatamente? Já iniciamos mais uma onda reversa ou estamos apenas em um momento de calmaria? Para tentar chegar a uma resposta, o autor sugere observar as causas que moveram a última onda "desdemocratizante" e comparar o contexto da época com o momento atual: 1) enfraquecimento de valores democráticos; 2) degradação econômica; 3) polarização política e social; 4) embates classistas; 5) quebra de leis e do estado de direito; 6) invasão de uma força externa não democrática; 7) quebra do efeito bola de neve democrática por falha do sistema em outros países.
O que se pode reunir de informações sobre o passado das ondas democráticas não garante uma previsão assertiva para o futuro das democracias no mundo. O consenso entre muitos cientistas políticos é que os fatores econômicos e o governo são fortemente determinantes. Olhando para o Brasil, podemos afirmar que, de alguma forma, cumprimos quase todos os movimentos que antecedem uma reversão democrática, exceto o da "invasão de uma força externa” — que parece só ocorrer na “realidade” tresloucada do nosso presidente e da sua turma. Seis indícios são mais que suficientes para concluirmos que, no Brasil de hoje, a maré está no sentido de recuo democrático e que a correnteza está forte.
A nossa onda "desdemocratizante" lembra mais a do filme O Impossível, de 2012. Na história, um tsunami destrói tudo por onde passa. No nosso caso, o que está sendo varrido com mais força por essa catástrofe política é tudo aquilo que faz uma sociedade democrática manter-se de pé: verdade, instituições, diálogo, dignidade, respeito, paz, economia, direitos humanos, povos originários, floresta, todos os fundamentos que garantem a nossa ideia de humanidade. Assim como Frank Morris, atravessamos muitos obstáculos nesses quase quatro anos de governo Bolsonaro. Agora que estamos diante do momento mais crucial, é hora de observar o movimento das ondas e saltar juntos para virar o quebra-mar que poderá salvar a nossa democracia.

Ricardo Rique, publicitário e graduando em Ciência Política


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