OPINIÃO

Desavergonhada compra de votos. O próximo governo será forçado a praticar "maldades" para consertar este e outros estragos no campo fiscal.

Quão complexos os cérebros desses senadores... Indo pela via pop: o que diabo essa turma tem na cabeça? Nem sequer um senador matutou sobre os potenciais danos?

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TARCISIO PATRICIO DE ARAUJO

Publicado em 05/07/2022 às 8:30 | Atualizado em 05/07/2022 às 8:43
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É desesperador vermos a covarde quase-unanimidade (exceto o voto de José Serra), na quinta-feira 30/06, quando da aprovação, no Senado, de um danoso mostrengo eleitoreiro que, em ‘novilíngua’, é chamado “PEC das Bondades”. Veja-se bem. Uma proposta de emenda constitucional, com efeito temporário-eleitoral até dez2022. Aumento do Auxílio Brasil (de 400 para 600 reais), bolsa-caminhoneiro de R$ 1.000/mês, aumento do vale-gás. Sem lastro orçamentário, fora de limitação pelo teto de gastos. Pasmo geral: é inserido, no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, o artigo 120 (!), que institui um “estado de emergência decorrente da elevação extraordinária dos preços do petróleo”. Gancho anti-Constitucional a “legalizar” a afronta eleitoreira, aprovado de afogadilho, atropelando-se instâncias regulamentares precedentes à votação. Desavergonhada compra de votos. O próximo governo será forçado a praticar “maldades” para consertar este e outros estragos no campo fiscal. Pior: o “estado de emergência” poderia dar azo a eventual intento golpista? Quão complexos os cérebros desses senadores... Indo pela via pop: o que diabo essa turma tem na cabeça? Nem sequer um senador matutou sobre os potenciais danos?
E isso pouco depois do recente brinde de compra de votos via redução do ICMS, para baixar preços de combustíveis – com risco de vir a ser ineficaz, sobrando o tóxico lixo fiscal. Teto de Gastos e Lei de Responsabilidade Fiscal já vêm sendo corroídos há certo tempo. Os gordos fundões eleitoral e partidário, o tal de ‘orçamento secreto’ e as “emendas do relator” são peças-chave de um sinistro quadro, traduzidos em dezenas de bilhões de reais, sendo o chamado Centrão um ator de peso. Reina a desordem orçamentária.
Este governo já escancarou o que é: samba de uma nota só de reeleição como ‘leitmotiv’, não-governança, divisão, corrosão institucional, descalabro fiscal e, também, corrupção a cada dia mais visível. Sendo cristalino que o país demanda penosa reconstrução, o próximo governo vai enfrentar agigantada tarefa, temperada por desafiante inflação e adverso ambiente externo. O governo que for ungido nas urnas, em outubro-novembro deste ano, terá quatro anos para, desde o início, mostrar que o país tem novo rumo. Democracia como bem supremo, e amplo arco de concertação política. Chega de velhas manobras eleitoreiras, sempre mantendo-se um bolsão de desvalidos a ser alvo de suborno eleitoral. Basta – neste país do futuro – de pobreza e analfabetismo como eternizados encalhes. E anote-se o óbvio: sem crescimento sustentado, saúde fiscal e adequada educação, não se sustentam efetivas políticas sociais.
P.S.: Ainda há tempo para a Câmara Federal abortar a “PEC das Bondades”, o que seria baita surpresa – infelizmente. Onde estão a OAB e outras destacadas vozes da sociedade civil?


Tarcisio Patricio é economista, com 42 anos de magistério e pesquisa na UFPE.

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