OPINIÃO

Nem no mais terrível pesadelo imaginaria que um jovem médico seria um dia capaz de abusar de uma paciente sob seus cuidados

As carnes tremeram, impossível organizar o pensamento. Como assim? Uma montagem sórdida? Uma verdade devastadora sobre todos os aspectos? O questionamento extremo do significado de ser humano? Ao final da transmissão das cenas, um choro brotou.

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SÉRGIO GONDIM

Publicado em 15/07/2022 às 11:53 | Atualizado em 15/07/2022 às 11:54
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As cenas vistas nos últimos tempos são inacreditáveis. Caminhões frigoríficos nas portas dos hospitais das maiores cidades do mundo, guardando corpos das vítimas de uma virose que segue ameaçando constantemente. Milhares, diariamente, acometidos pelo despreparo do mundo e pela maior crise de desinformação já observada na medicina.
Vimos, lá longe, o desespero agarrado no avião por decolar, prontos para cair, mas não sofrer os horrores do novo velho regime político. A quem é dado o direito de atentar contra a liberdade, de impedir o pensar diferente, de ditar regras de como se vestir, de qual religião seguir, de reprimir com violência? Preferiram mergulhar de um trem sem pouso. Símbolo maior da opção pela liberdade ou morte.
Estamos vendo o bombardeio de civis nos moldes do século passado. O esvaziamento de um país, sem nem saber direito o porquê. Conviver com a certeza de que os ditos avanços da civilização não são capazes de resolver diferenças, mas permitem que todos assistam em tempo real artefatos explodindo sobre hospitais, escolas, teatros, mercados e sobre o quintal da senhora aposentada.
A pobreza estampada nas palafitas incendiadas, nas casas inundadas, na lama dos deslizamentos previsíveis, na falta de tudo, educação, emprego, geladeira, cobertor, dignidade. Tudo. Apesar de ser do conhecimento geral, provoca calafrios quando escancarada.
O assassinato sumário dos que se dedicam a proteção da imensidão da floresta e dos seus legítimos donos, queimando os corpos de forma que, enterrados, não brotem mais, não produzam frutos bons, não estabeleçam limites às fronteiras do banditismo de uma terra sem lei.
Pensava que não havia nada de pior para ver. Mas vi. Nem no mais terrível pesadelo imaginaria que um jovem médico, recém preparado para aliviar as dores, seria um dia capaz de abusar de uma paciente sob seus cuidados, nos moldes do que foi mostrado no noticiário. É demais. No momento sagrado do seu ofício e no mais sublime da paciente, cometer um crime como foi mostrado, é mais do que maldade, é mais do que hediondo, é mais do que doença, do que perversão, monstruosidade, podridão, desrespeito, crueldade. É inclassificável.
As carnes tremeram, impossível organizar o pensamento. Como assim? Uma montagem sórdida? Uma verdade devastadora sobre todos os aspectos? O questionamento extremo do significado de ser humano?
Ao final da transmissão das cenas, um choro brotou.
Nasceu uma criança. Vai viver nesse mundo e ajudar a melhorá-lo.
É preciso. Ou nada mais faz sentido.

 

Sérgio Gondim, médico

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