OPINIÃO

Uma assombração chamada "Amazombras"

A reconstrução nacional que urge ser feita – são 40 anos de descarrilamento – não merece uma Amazombras cogitada em período eleitoral, momento inapropriado para debates consistentes.

TARCISIO PATRICIO DE ARAUJO
Cadastrado por
TARCISIO PATRICIO DE ARAUJO
Publicado em 02/08/2022 às 0:00 | Atualizado em 02/08/2022 às 6:27
Valter Campanato/Agencia Brasil
A Polícia Federal está investigando desaparecimento de jornalista e de indigenista na Amazônia - FOTO: Valter Campanato/Agencia Brasil
Leitura:

Estava eu, posto no desassossego de escrever a crônica quinzenal da vez, quando sou sacudido por uma assombração: Amazombras. Anunciada pelo candidato a vice-presidente Geraldo Alckmin, seria o nome de estatal, a ser criada, com a missão de articular “instituições de pesquisa, militares e universidades para o aproveitamento econômico da Amazônia”. (Aí, joguei fora o mote inicial da crônica). Objetivo tão vago quanto amplo, envolvendo área complexa, que necessita de racionalização, monitoramento, e combate a crimes pesados contra o meio ambiente, povos indígenas, e a economia da região. Se é para articular, desnecessário criar outra estatal. Chame-se a própria Embrapa, exemplo de estatal que deu certo e que tem vetor tecnológico, gerando inovações e prestando valiosa assistência ao negócio agrícola. Além de universidades e outras instituições de pesquisa, o IBAMA, e constitucionais dispositivos militares e de segurança. E cuide-se, apropriadamente, do que está sendo criminosamente tratado.
A experiência internacional mostra que privatização não é panaceia, é parte de soluções para um capitalismo em que Estado e Mercado não são necessariamente antípodas. O Brasil sempre foi pesadamente estatal, e o melhor período da economia brasileira (1950-80) trouxe crescimento chafurdado por desigualdade-sempre e espantosa inflação. Sim, o aparato estatal brasileiro também gera desigualdade. Depois, até 1994, estagnação e alta inflação. E venceu-se inflação, mas nada de crescimento robusto. A reconstrução nacional que urge ser feita – são 40 anos de descarrilamento – não merece uma Amazombras cogitada em período eleitoral, momento inapropriado para debates consistentes. A propósito, para que serve a Rede Brasil, p. ex., criada em 2007? Tirando-se CAIXA, BB, BNDES, EMBRAPA, pouco sobra que não seja cabide de emprego e só despesas.
Ignácio Rangel, bravo economista independente, defendia – como forma de saída da crise dos anos 1980 – privatização dos serviços públicos, começando pelo setor elétrico. Ele propunha concessão de serviços públicos a empresas privadas, de modo a viabilizar captação de investimentos oriundos do mercado de capitais. Roberto Campos (em ‘Lanterna na Popa’, 1994, p. 203) explicitou e reconheceu a lógica construtiva da proposta de Rangel: o Estado licitaria as concessões, ‘que teriam o direito de exploração’ e que, ‘podendo dar garantias reais aos financiadores, teriam mais flexibilidade na captação de recursos no mercado financeiro’. As garantias reais teriam aval do Estado, lastreadas em hipoteca dos ativos reais da concessionária. Campos reconheceu que era visão ‘mais matizada e realista’, como alternativa ao puramente estatal. Neste país de Estado Rei e Pai, Rangel nunca foi devidamente ouvido nas hostes da esquerda. Privatização não assombra. Estabeleçam-se  adequados marcos regulatórios.


Tarcisio Patricio é economista, com 42 anos de magistério e pesquisa na UFPE.

Comentários

Últimas notícias