Raro o perfil de candidatura que não soa igual a disco arranhado. Que foge do script de repetir as mesmas frases de impacto e respostas genéricas às questões centrais. O modelo orientado pelo marketing parece afeiçoado a uma desmedida ambição épica, ao som de uma trilha sonora pronta para fazer chorar. O candidato autovangloria-se e ataca seus opositores. E o debate político vira uma reprise interminável do mesmo filme.
Quais as propostas das candidaturas presidenciais para destravar a economia, trazer dignidade à saúde e resgatar do marasmo a educação? Inevitável, na tela mental daí resultante, a conexão com o conceito de demagogia. Foi o cartão de visitas do folclórico Odorico Paraguaçu, Prefeito de
Sucupira, na novela "O Bem Amado", de Dias Gomes, de 1973, que falava, falava, abusava dos adjetivos e advérbios, sorria e gesticulava desmedidamente, mas, no fim, nada dizia, e, pior, nada realizava para melhorar concretamente a vida dos munícipes.
Frasista de mão cheia, porém, antes protótipo do embromador, disse Odorico certa vez, ao ressurgir dos mortos (tinha sido assassinado a tiros por Zeca Diabo na novela e retornou em série também na tv): "Volto disposto a esquecer o pratrasmente. Eu volto só pensando no amanhã e no depois do amanhã. A hora é de bola pra frente e ordinário, marche. Botando de lado os entretantos e partindo pros finalmentes, de braços estendidos e coração escancarado".
Que mudanças reais Odorico propunha? Aliás, sabia ele propor qualquer coisa, fora transferir a sede da ONU de Nova Iorque? Que amanhã vislumbrava? Quais os "finalmentes" divisava?
Se não estamos felizes com as opções dadas, o que temos feito para ampliálas, exceto ignorar e execrar a opção divergente do outro? De que maneira temos influído no processo político: tratando o voto como um fardo? E o papel de fiscais dos eleitos, como o estamos desempenhando: soltando cobras e lagartos na falsa coragem das redes sociais?
Sucupira morreu? E Odorico, que fim levou? Fez escola? Que um dia a vida não mais imite a arte. É a esperança que teima em resistir.
Gustavo Henrique de Brito Alves Freire, advogado
Comentários