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Das cartas ao Papai Noel à Carta em Defesa do Estado Democrático de Direito

No embalo das letras, sob a batuta de minha mãe, as cartas saudosas para os meus irmãos que estudavam na capital

VALDECIR PASCOAL
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VALDECIR PASCOAL
Publicado em 07/08/2022 às 0:06
Divulgação/USP
Faculdade de Direito da USP iniciou o manifesto em defesa da manutenção do Estado de Direito e do respeito ao resultado das eleições - FOTO: Divulgação/USP
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Sobre a mesa deste domingo, ponho algumas cartas que marcaram a minha vida.

Ainda na infância, em meio à magia da aurora, as cartinhas ao Papai Noel. No embalo das letras, sob a batuta de minha mãe, as cartas saudosas para os meus irmãos que estudavam na capital.

Mais adiante, num livrinho clássico do antigo “Programa de Admissão”, fui apresentado a um dos contos mais emocionantes de nossa literatura: “Um amigo de infância”, de Humberto de Campos.

É antológica a passagem em que ele narra a despedida do seu cajueiro e uma carta recebida da mãe:
– Aos treze anos de idade, e três da sua, separamo-nos, o meu cajueiro e eu. Embarco para o Maranhão, e ele fica.

Na hora, porém, de deixar a casa, vou levar-lhe o meu adeus. Abraço-me ao seu tronco, aperto-o de encontro ao meu peito. A resina transparente e cheirosa corre-lhe do caule ferido… – Adeus, meu cajueiro. Até a volta! Ele não diz nada, e eu me vou embora.

Da esquina da rua, olho ainda por cima da cerca, a sua folha mais alta, pequenino lenço verde, agitado em despedida.

E estou em São Luís, homem-menino, lutando pela vida, enrijando o corpo no trabalho duro e fortalecendo a alma no sofrimento, quando recebo uma comprida lata de folha acompanhando uma carta de minha mãe: "Receberás com esta uma pequena lata de doce de caju em calda. São os primeiros cajus do teu cajueiro. São deliciosos, e ele te manda lembranças".

Os anos passam. Em 2013, escrevi uma carta-mensagem para as minhas filhas, debutantes: recordações, conselhos, lágrimas e o amor maior do mundo.

Há outras cartas a realçar: as epístolas Bíblicas; a “Carta ao Pai”, de Kafka; a carta de Luther King Jr., escrita da prisão, na qual proclama: – A injustiça num lugar qualquer é uma ameaça à justiça em todos os lugares; as “republicanas” cartas de Pedro II à Regente Isabel; as cartas escritas por Dora (Fernanda Montenegro) no filme Central do Brasil; as correspondências de Machado, Nabuco, Drummond, Bandeira, Cabral, Cecília, Lispector; as “ridículas” cartas de amor de Pessoa; a “Carta ao Tom 74”, de Vinícius; a carta em que Getúlio deixou a vida para entrar na história; a carta-súplica de Nelson Rodrigues ao Presidente Figueiredo, implorando notícias do filho, torturado pela ditadura, que ele (pai) apoiava.

No dia 11 de agosto de 2022, no histórico Pátio das Arcadas da Faculdade de Direito da USP, será lida a “Carta em Defesa do Estado Democrático de Direito”, assinada por quase um milhão de cidadãos, de todos os segmentos da sociedade. Em essência: um brado oportuno e necessário em prol de nossa principal carta civilizatória: a Constituição de 1988.


Valdecir Pascoal - Conselheiro do TCE

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