OPINIÃO

Frei Caneca: roubo do busto de bronze mostra o Recife vítima dos vândalos

Estarrece o fato de que, no mês passado, foi roubada da fachada do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, a placa, em bronze, com o nome da instituição e o ano da fundação.

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ROBERTO PEREIRA

Publicado em 23/08/2022 às 17:03 | Atualizado em 23/08/2022 às 20:28
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O busto de Frei Caneca cumpre também a sua saga, haja vista o fato de que, pela segunda vez, foi surrupiado do seu pedestal, onde se encontrava, na praça que leva o seu nome, nas proximidades do Forte das Cinco Pontas, onde funciona o Museu da Cidade do Recife, um ponto turístico dos mais admirados.

O Recife vem sendo vítima dos vândalos, todos movidos pela cobiça do bronze, ao tempo em que se despojam dos compromissos com a cidadania e com o nosso patrimônio histórico.
Estarrece o fato de que, no mês passado, foi roubada da fachada do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, a placa, em bronze, com o nome da instituição e o ano da fundação, onde se encontrava desde 1920, sendo considerada uma antiguidade. Escutei essa indignação do Secretário Perpétuo do IAHGP, Reinaldo Carneiro Leão. E muitos outros casos – ou descasos – poderiam ser citados aqui neste espaço.

A homenagem ao herói da Revolução Republicana de 1817 e herói e mártir da Confederação do Equador, (2/7/1824), aconteceu em 2 de julho de 1981, no ensejo do 157º aniversário daquele movimento que atravessou o tempo, por ser uma afirmação de bravura, de integração política e de análise social da nossa realidade e do nosso destino.

Deve-se essa reverência ao Colégio e Curso Radier, à época sob a minha direção, e ao inestimável apoio do então prefeito Gustavo Krause, que, além de professor de História, sempre foi um gestor identificado com as causas político-libertárias de Pernambuco.

O busto teve em Wamberto Jácome o seu autor, considerado, à época, um dos maiores escultores clássicos do Brasil, e que fez a modelagem em 1981.

Em fevereiro de 1988, o Caneca, em bronze, foi roubado misteriosamente.

O autor do furto me telefonou e, confessando arrependimento, disse-me: "eu não sabia que estava levando um herói. Quero devolvê-lo." Este um relato inimaginável, surreal.

Sequer me lembro do nome do gatuno, mas ele me passou o endereço, uma casa no Bairro de São José, perto do Museu da Cidade do Recife. Corajosa e ousadamente, fui.

Na paz, recebi, nos meus braços, o herói de volta, que pesa 80Kg, segundo estimativa do escultor Jobson Figueiredo, especialista em bronze.

O prefeito, na época, era Jarbas Vasconcelos, que cuidou de providenciar o retorno do busto ao seu pedestal, o que se deu em 13/5/1988, coincidentemente na data da Abolição da Escravatura, numa solenidade simples, mas repleta de pernambucanidade.

Jarbas esteve presente durante todo o evento, mas, no seu lugar, falou o escritor e poeta Marcelo Mário de Melo, que presidia a Fundação de Cultura Cidade do Recife.

Convidado pelo prefeito, proferi um discurso exortando o gesto da devolução e exaltando a bravura do nosso herói e mártir Frei Caneca.

À solenidade, compareceram várias autoridades e personalidades, numa reverência à memória histórica de Pernambuco e ao irredentismo de nossa gente.

A notícia alvissareira veio de Marcos Cabral, assessor especial do Grão-Mestre Geral do Grande Oriente do Brasil, Múcio Bonifácio Guimarães, que, preocupado, me telefonou e assegurou que a Maçonaria de Pernambuco, fiel à sua destinação histórica, caso o busto não retorne ao seu lugar, vai mandar erigir, no mesmo local, uma estátua do nosso herói Frei Joaquim do Amor Divino Caneca.

A Confederação do Equador é uma afirmação de um gênio político – Frei Caneca –, capaz de sobreviver ao seu próprio tempo, para se projetar como uma força viva da nacionalidade.
Roberto Pereira, ex-secretário de Educação e Cultura de Pernambuco.

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