Copa & Direitos Humanos

Lembre-se que no ranking de liberdade de imprensa da Repórteres Sem Fronteiras (RSF) o Catar está em 119º colocado entre 180 países

JULIANO DOMINGUES
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JULIANO DOMINGUES
Publicado em 20/11/2022 às 8:00
ANDREJ ISAKOVIC / AFP
Mulheres do Catar na praia. - FOTO: ANDREJ ISAKOVIC / AFP
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A imagem de um repórter da democrática Dinamarca sendo ameaçado ao vivo por agentes de segurança do autoritário Catar nos lembra que Copa do Mundo é muito mais que futebol. Quando assistir aos jogos, não se esqueça: é sobre direitos humanos.

Lembre-se que no ranking de liberdade de imprensa da Repórteres Sem Fronteiras (RSF) o Catar está em 119º colocado entre 180 países, enquanto a Dinamarca é o 2º. O jornalismo no rico emirado é rigidamente controlado e, por isso, restringe-se a cobrir ações do emir, o xeque de nome complicado - Tamim bin Hamad bin Khalifa Al Thani.

Lembre-se que as relações diplomáticas entre Catar e seus vizinhos do Conselho de Cooperação do Golfo ficaram estremecidas sob a acusação de que o país financia grupos terroristas, como o Estado Islâmico e o Al-Qaeda. A crise que bloqueou as conexões terrestres, aéreas e marítimas por três anos só foi superada diante do risco de boicote à Copa.

Lembre-se, também, que o executivo-chefe da FIFA no país sede, Nasser Al Khater, alertou em entrevista que "as demonstrações públicas de afeto são mal vistas, não fazem parte da nossa cultura, e isso se aplica a todos." Futebol sem demonstração de afeto?

Não existe amor no Catar: o código penal, em seu Art. 285, prevê prisão de sete anos para sexo entre homens e, em alguns casos, pena de morte; o Art. 296 criminaliza "sedução para ações imorais" (seja lá o que isso signifique) com três anos de prisão; e o Art. 298 estabelece 10 anos de cadeia para "sodomia como profissão ou meio de vida".

Lembre-se que, em 2013, o Catar proibia estrangeiros gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros de trabalhar no país. Sob pressão internacional e, novamente, risco de boicote à Copa do Mundo, teria voltado atrás, segundo relatório da ILGA World – International Lesbian, Gay, Bisexual, Trans and Intersex Association.

Lembre-se, ainda, que no Catar as mulheres vivem sob tutela permanente de um homem, conforme denúncia da ONG Humans Rights Watch (HRW). Elas precisam de autorização de um tutor (marido, empregador, pai, irmão, tio ou primo) para afazeres cotidianos, como se matricular em um curso ou viajar.

A censura ao repórter dinamarquês, seguida de um pedido de desculpas do Comitê Organizador, sintetiza uma complexa copa de contradições, poder e contrapoder. Portanto, quando a bola rolar, lembre-se: há muito mais em jogo.

Juliano Domingues, jornalista e cientista político, é professor da Universidade Católica de Pernambuco

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