OPINIÃO

O cérebro no ambiente falso

No embalo que vai e com a deep fake, o mundo será dos avatars e seus seguidores de cérebro miúdo, em procissão, aclamando a falsidade.

SÉRGIO GONDIM
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SÉRGIO GONDIM
Publicado em 17/03/2023 às 0:00 | Atualizado em 17/03/2023 às 14:13
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A disseminação das fake news pode estar comprometendo os neurônios e como se não bastasse, agora chegou a deep fake - FOTO: Freepik

Em paralelo ao progresso da matemática, da ciência e das artes, o cérebro humano evoluiu aumentando de volume, adquirindo capacidades, entre elas a de raciocínio sofisticado. Nada impede uma mudança de rumo e é possível que a inversão já tenha começado.

Além das doenças, intoxicações e degeneração, a maneira de usar o cérebro pode levar à perda de função e atrofia. A forma de comunicação, as leituras rápidas e curtas, as respostas imediatas e sem reflexão, comprometem a capacidade que diferencia os humanos e os torna mais do que instintivos. A inundação de informações, muitas falsas, compartilhadas automaticamente sem qualquer processamento, pode comprometer as sinapses, afetar a fisiologia e a anatomia dos neurônios.

Já são muitas as observações de danos à capacidade de raciocínio lógico, mudanças de comportamento, maior agressividade e intolerância, momentos seletivos de fuga da realidade, maior egoísmo e desrespeito às regras de convívio social. Pessoas leves se tornando pesadas, amarguradas e vingativas, irmãos convertendo amor em ódio. São relatados casos de falsos honestos que criticam ferozmente a corrupção dos outros, mas se tornam incapazes de enxergar a própria. Sonegam, falsificam o serviço público prestado, comissionam vantagens nas licitações, se dizem prestativos vivendo em função de privilégios, prestam serviços em troca de vantagens pessoais dissociadas da necessidade dos clientes, se sentindo honestos, como se uma lesão neurológica os transformasse em radicalmente contrários a tudo que realmente são e praticam. Há referências também a casos de radicalmente religiosos, democratas e patriotas, falsos.

A disseminação das fake news pode estar comprometendo os neurônios e como se não bastasse, agora chegou a deep fake, com softwares facilmente acessíveis, possibilitando a edição de feições humanas, de qualquer pessoa em qualquer cenário, com movimentos e voz. Imagine o presidente dos Estados Unidos profundamente falso, em momento de tensão nas relações com a China, aparecendo para o mundo destratando esse país e botando a mãe no meio, tendo à frente um telefone vermelho. Também seria difícil distinguir da realidade, a divulgação de um vídeo com um juiz falsificado detalhando tratativas para um julgamento ou um ministro da fazenda explicando o falso congelamento dos depósitos para o dia seguinte. Até já apareceu um Zelensky falso, anunciando rendição.

Com a inteligência artificial, é possível compor um forró, responder as questões de um concurso e muito mais, sem precisar usar o cérebro. O GPT já utiliza muitos bilhões de parâmetros em sua estrutura, rumo à centena de trilhões de sinapses do cérebro humano.

No embalo que vai e com a deep fake, o mundo será dos avatars e seus seguidores de cérebro miúdo, em procissão, aclamando a falsidade.

Sérgio  Gondim, médico

 

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