medida provisória

Medidas provisórias só devem ser editadas pelo presidente da República em caso de relevância e urgência

É de se esperar que o presidente da Câmara dos Deputados medite sobre o seu entendimento inconstitucional e, acima de tudo, que o Brasil precisa oferecer aos mais necessitados é o mínimo de dignidade humana

Adeildo Nunes
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Adeildo Nunes
Publicado em 30/03/2023 às 3:00
PAULO SÉRGIO/CÂMARA DOS DEPUTADOS
Arthur Lira é presidente da Câmara dos Deputados - FOTO: PAULO SÉRGIO/CÂMARA DOS DEPUTADOS

Durante as discussões travadas no âmbito da Assembleia Nacional Constituinte, entre 1986/1988, nas proximidades da aprovação da Constituição Federal e da sua redação final, e até que ela viesse a ser promulgada, o que ocorreu em 05.10.1988 pelas mãos e voz de Ulisses Guimarães, a definição do sistema de governo para o Brasil (parlamentarismo ou presidencialismo), sempre foi objeto de incontáveis discussões entre os constituintes, cada lado defendendo um modelo diferente.

Depois de promulgada a Carta Magna, constatou-se que o sistema adotado foi o presidencialismo, não obstante as suas Disposições Constitucionais Transitórias (art. 2º) estabelecessem o dia 7 de setembro de 1993 para a realização de um plebiscito, onde os brasileiros definiriam a forma (república ou monarquia constitucional) e o sistema de governo (parlamentarismo ou presidencialismo). Por maioria esmagadora, a escolha plebiscitária recaiu sobre a forma republicana e o sistema de governo presidencialista.

As divergências sobre o sistema de governo que deveria viger no país, durante a fase constituinte, porém, fez com que fosse aprovada a possibilidade de o presidente da República editar medidas provisórias, com força de lei (art. 62, cabeça), cuja redação original veio a ser modificada pela emenda constitucional nº 32, de 2001. Depois da reforma de 2001, restou exigido que a medida provisória tão logo fosse editada,
deveria ser remetida imediatamente ao Congresso Nacional.

Com validade máxima de 120 (cento e vinte) dias, a partir da sua publicação, a reforma também exigiu que antes da votação pelo plenário da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, uma comissão mista formada por deputados e senadores deveria examinar o seu conteúdo, ao final oferecendo parecer, pela sua transformação em lei ou pela sua rejeição.

Portanto, nos termos da Constituição Federal de 1988 (art. 62, § 9º), a apreciação das medidas provisórias pelo plenário das duas Casas, separadamente, dependerá de parecer prévio de uma comissão mista formada por 24 (vinte e quatro) parlamentares, composta por 12 (doze) deputados e por 12 (doze) senadores, conforme estabelece o regimento interno do Congresso Nacional.

Ocorre, todavia, que com a pandemia oriunda do coronavírus, que tirou a vida de mais de 700 mil brasileiros, no que tange à tramitação das medidas provisórias, o próprio Congresso Nacional, através do Ato Conjunto nº 1, de 31.03.2020, resolveu abolir o parecer prévio da Comissão Mista, autorizando, assim, que a decisão do parlamento fosse direta para o plenário das duas Casas, tornando desnecessário o parecer da Comissão Mista, face àquele momento nacional que exigiu o máximo de isolamento
entre as pessoas, ao tempo em que houve uma substituição da atuação presencial dos parlamentares, pelo sistema remoto, como é de todos conhecido.

Com o reinício dos trabalhos legislativos por parte do Congresso Nacional em fevereiro de 2023, a atuação dos parlamentares federais voltou à forma presencial, daí porque, como exige a Constituição, a votação de medidas provisórias pelo plenário da Câmara dos Deputados e do Senado Federal voltou a depender de parecer prévio da Comissão Mista formada pelos parlamentares escolhidos pelo próprio Parlamento.

Nesse prisma, o entendimento do presidente da Câmara dos Deputados, na atualidade, pretendendo abolir definitivamente o parecer prévio da Comissão Mista, durante a tramitação das medidas provisórias, representa um acinte ao regimento interno do Congresso Nacional e aos seus costumes, além de configurar uma nítida inconstitucionalidade formal, que certamente será sanada pelo Supremo Tribunal Federal, caso haja provocação àquela Corte Maior de Justiça.

No momento em que várias medidas provisórias editadas pelo presidente Lula da Silva, depois da sua posse, estão na dependência de votação pela Câmara dos Deputados, muitas de extrema relevância social, a exemplo daquelas que regulamentou a nova bolsa família, a aquisição de alimentos e sobre o projeto “minha casa, minha vida”, é de se esperar que o presidente da Câmara dos Deputados medite sobre o seu entendimento inconstitucional e, acima de tudo, que o Brasil precisa oferecer aos mais
necessitados é o mínimo de dignidade humana.

Adeildo Nunes, juiz de Direito aposentado, doutor e mestre em Direito, sócio do escritório Nunes e Rêgo Barros – Advogados Associados

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