Não se pode dizer que a explosão de violência no Rio Grande do Norte foi de todo uma surpresa. Nem mesmo com tamanha extensão, mostrando núcleos do crime a postos para tocar o terror em dezenas de bairros e cidades, um verdadeiro exército comandado a partir de celas do sistema que teoricamente deveria proteger a sociedade.
As cenas mostraram cárceres superlotados como sempre, dando razão a reclamos dos presidiários servidos de comida azeda, sem nenhuma chance de ressocialização, sem horizonte fora do crime.
As imagens mostraram jovens descamisados atirando coquetéis Molotov nas lojas, repartições públicas, ônibus e pessoas. Disseminaram o pânico, mataram, fecharam postos de saúde, pararam o transporte coletivo e tudo que dele depende. “É nóis”, gritavam. Não vieram de disco voador e havia liderança assumida, usando a única linguagem que aprenderam na vida.
O tempo passa e ninguém consegue eliminar o uso de telefone pelos presos, mesmo na segurança máxima. Da central, passam o dia infernizando a vida do país, comandando mais crimes, gerenciando golpes contra aposentados, julgando e condenando sumariamente seus desafetos. Tentam corromper o que resta de bom na polícia.
No país, muitos só vislumbram oportunidade no crime. Outros, os graúdos, não precisam roubar para viver, mas quando são apanhados com a mão na botija confessam, devolvem e dão a volta por cima recuperando o dinheiro em liberdade, com auxílio de inacreditáveis brechas de um sistema jurídico que parece a seu serviço.
Claro que o estado deve reagir pronta e energicamente, como está tentando, até porque precisa apagar o estopim aceso no Rio Grande do Norte.
Agentes da força nacional, autoridades da segurança, milhões de investimentos chegando, como acontece nos morros depois que as famílias são soterradas.
A repressão é necessária, mas através dela esse problema jamais será resolvido. Tanto mais prendam, mais terão para prender. Existe fila de pretendentes para entrar no crime que, por ser organizado, limita o acesso de tantos aspirantes, afinal pretendem manter a ordem e a eficiência, dando sentido à expressão organização criminosa.
Não adianta só investir em boas cadeias, aliás para os de colarinho branco, nem precisa. Eles não ficam lá.
Quando o diagnóstico e o tratamento chegarem às raízes do crime violento disseminado, a liberação de verbas será direcionada também à boas escolas e aos professores. Para cada cela, uma sala de aula, para cada presídio, um Compaz em contrapartida.
Assim, quando o criminoso preso estiver chateado porque não assiste televisão e enviar comandos para o terror, não vai encontrar quem cumpra.
Estarão ocupados na escola, no profissionalizante, no rumo do mercado de trabalho e de um espaço na sociedade onde vivam melhor do que entre as barras de presídios sem TV.
Enquanto isso, seguiremos comprando televisões para que os presos não percam o reality show líder de audiência, onde podem aprender a importunar ainda mais.
Continuaremos construindo centrais do crime onde serão graduadas as novas lideranças e de onde partem as ordens para osque não têm oportunidade fora do crime. Sem acesso à educação básica de qualidade, um direito constitucional que lhes é negado, a guerra estará perdida.
Sérgio Gondim, secretário-executivo de Segurança Cidadã do Recife
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