Há dez anos escrevi artigo em periódico local celebrando a aprovação da PEC das domésticas (Emenda Constitucional 72 de 02 de abril de 2013). A iniciativa era longamente devida e fazia justiça a uma exclusão histórica. Dez anos depois, os resultados são frustrantes e as explicações para os resultados, dadas por alguns economistas, não são convincentes. Dados da PNAD/IBGE indicam que quase 75% das domésticas brasileiras trabalham na informalidade, ou seja, sem carteira de trabalho assinada e, portanto, estão excluídas da rede de proteção social.
Os resultados foram opostos aos esperados, como os números a seguir apontam de forma contundente. O Brasil tinha, em janeiro de 2023, 5,9 milhões de trabalhadores domésticos, 2,0% abaixo do contingente observado em 2013. Destes (74,8%) ou 4,4 milhões são informais. Este percentual, em janeiro de 2013, tinha sido de 68,4%, correspondentes a 4,1 milhões. Portanto, com a Emenda Constitucional 72 a informalidade aumentou em termos absolutos e relativos. A formalização das domésticas, ocupação segregada e majoritariamente formada por mulheres, fez caminho inverso. Em 2013 1,9 milhões de domésticas trabalhavam com carteira assinada (31,6% do total). Em 2023 este percentual diminuiu para 25,2% correspondentes a 1,5 milhões de trabalhadores domésticos. Um desastre que merece uma explicação racional e plausível.
Em reportagem publicada em jornal de circulação nacional (FSP de 23 de março de 2023) os economistas ouvidos colocaram como causas primordiais a deterioração da situação econômica desde 2014 quando enfrentamos dois anos de recessão (2015 e 2016), três anos de lento crescimento (2007 a 2019), um ano recessivo induzido pela pandemia (2020) e dois anos (2021 e 2022) de uma conturbada recuperação pautada pelo avanço da vacinação e no contexto de um ambiente político e econômico adverso ditado pelas proximidades das eleições de 2022 que se deu em cenário bastante polarizado. Ninguém olhou para o aumento dos custos, para os encargos que recaíram sobre empregados e, sobretudo, para os empregadores decorrentes de uma regulamentação que, em 2015, ampliou direitos, mas que aumentou os custos, sobretudo para os empregadores. Estamos operando em mercado de trabalho onde o custo de contratação formado por salário mais encargos é parâmetro decisivo na decisão das famílias para contratar com carteira assinada. Não se descarta que as condições econômicas adversas, já descritas para o período 2013-2023, tenham contribuído para reduzir a demanda pelo trabalhador doméstico formal porque a estagnação e/ou lento crescimento na renda das famílias durante o período é fato documentado. Todavia, nessas condições o fator custo ganha maior relevância. O aumento do custo em ambiente econômico adverso tem impacto maior do que em condições de estabilidade econômica.
Os encargos totais correspondem a 28,4% do salário, sendo a contribuição previdenciária do empregado doméstico com carteira de 8,02%. O restante é do empregador: contribuição previdenciária, contribuição previdenciária de risco ambiental (sic), indenização por perda de emprego, e FGTS, correspondentes a 20,4%, ou seja, um quinto do salário de contratação.
Em dez anos a remuneração real do trabalhador doméstico subiu 6% ou R$ 62 reais passando de R$ 1.027 para R$ 1.083. A remuneração nominal do trabalhador doméstico informal elevou-se de R$ 855, em 2013, para R$ 944 em 2023, uma variação nominal de R$ 89, portanto, sem descontar a inflação, medida pelo IPCA, que no período subiu 80,7%. Descontada a inflação, a remuneração média seria de apenas R$ 522,4 reais.
Os efeitos da EC 72, portanto, foram: 1) aumentar a informalidade, já majoritária, e que agora constitui-se em quase 75% da força de trabalho doméstica; 2) reduzir a remuneração real média do trabalhador doméstico informal. Uma minoria, cada vez menor, ganhou pouco, mas ganhou. A maioria excluída da rede de proteção social aumentou sua participação no total da ocupação doméstica e perdeu, substancialmente, poder aquisitivo.
Isto é o contrário do que se pretendia. A norma pretendia proteger a maioria e não prejudicá-la. Estudos precisam ser feitos, mas não se pode descartar a hipótese de que o aumento dos custos, em sociedade cada vez mais empobrecida, contribuiu para este frustrante resultado. Isto é motivo para uma reflexão crítica.
Jorge Jatob, doutor em Economia
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