
Habitação é um dentre “muitos direitos” da Constituição Federal. Neste sentido, destaca-se nos compromissos do atual Governo do Estado o eixo estratégico focado em Cidades Sustentáveis e Resilientes. No conjunto de propostas prioritárias, está indicada a promoção de “amplo esforço de construção ou reforma de Habitação de Interesse Social para 50 mil famílias da Região Metropolitana do Recife que vivem em áreas de risco”.
Para tanto o programa prevê a recuperação das margens de rios, canais e córregos. Esse ponto pode ser decodificado de forma simples, direta, presente nos discursos das últimas décadas e distante de ações eficazes – eliminar as PALAFITAS. Isso é compromisso a ser perseguido.
Na Região Metropolitana do Recife, milhares de famílias se escondem à vista de todos nas margens dos rios, canais e córregos. São parte expressiva dos estuários. Na beira d’água, em terra firme, é onde os invisíveis se acomodam sob precárias condições de habitabilidade. Não se oferece alternativa para a Metrópole inchada, com raros vazios urbanos associados a custos elevados de terrenos na escala compatível com a demanda dessas comunidades de interesse social, em especial onde se “constroem palafitas”.
Na verdade, onde se ajuntam restos da cidade legal – tapumes velhos, lonas plásticas e reutilizadas, pedaços de tábua da construção civil – em um cômodo sob a lama, os mangues e os corpos d’água do continente. E ali “vivem”, convivendo com ratos, lacrais, dejetos, e aqui e acolá, uma criança que se afoga na lama podre dos bairros lineares, a se espalhar pelo território urbano. Se quiser conhecer a fome, visite uma palafita.
Cuidar prioritariamente de eliminar as palafitas é mais que um compromisso – é conceder o mínimo de dignidade para milhares de pernambucanos semi-humanos, pois como os bichos ao abandono, os ocupantes das palafitas, miseráveis do século vinte e um, não tem voz nem vez nesta dramática condição de vida, enquanto governantes e a sociedade não os enxergam.
É urgente promover uma ação de governo capaz de alterar o modelo até então adotado. É preciso criar condições para enfrentamento do modelo de expansão urbana precário para dentro das águas.
Entretanto, falta terreno para acomodar dignamente tanta gente. É fato. Mas não é impossível identificar e criar novas zonas especiais de interesse social na proximidade dessas comunidades. Para cada hectare de terra cabem 300 habitações decentes em blocos de quatro pavimentos. Há espaço na RMR para múltiplas zonas especiais. Há espaço para promover uma relação de permuta de áreas públicas subutilizadas por áreas privadas para construção de habitação de interesse social. Os instrumentos para modelagem de operações urbanas estão disponíveis e até testados. É acreditar e fazer. O desafio para o novo Governo é a pactuação com os 14 Prefeitos dos municípios metropolitanos e o Governo Federal.
Na verdade, duas razões levam à inércia do nada fazer, ou, quando muito, fazer de conta que se está cuidando dos miseráveis invisíveis. Os conjuntos habitacionais para os pobres são recordistas de atraso de obras em até décadas, como a pequena comunidade do Pilar, no centro do Recife.
Essa á a primeira e decisiva questão: a palafita não é prioridade, fora das campanhas eleitorais. A segunda questão é a permanência do modelo de transferência para fora do território, da região onde se localizam as comunidades. Retirá-los do “seu mundo possível” é trazê-los de volta após receber as chaves da casa e passar adiante.
E aí, a engenharia social deve estar presente desde a primeira conversa com os favelados das palafitas e a comunidade do seu entorno. Transformar o lugar a ser desocupado em parte da vida da vizinhança. Dar usos para todos, entregando a urbanização à população para fruição daquele que já foi invisível, inseguro e “ocupado clandestinamente”.
As cidades sustentáveis, cujos objetivos estão contidos em todos os planos, programas e projetos do planeta Terra, requerem, no Brasil, a ruptura no processo de solução para as comunidades que de fato recebam o interesse social – é na origem do que se prega enquanto conceito de sustentabilidade. Requer firme decisão política e mobilização/participação dos cidadãos para enxergar “o outro”.
Recursos financeiros não faltam, pois gasta-se muito e gasta-se mal. Retirando educação e saúde, tudo o mais é absolutamente secundário, diante dos milhares de seres invisíveis que nos rodeiam.
Paulo Roberto Barros e Silva é desenhista.
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