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Governar é sofrer

Governar tem o peso enorme de encargos e a feliz sensação do reconhecimento público quando o governante cumpre com dignidade a tarefa que lhe é delegada

GUSTAVO KRAUSE
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GUSTAVO KRAUSE
Publicado em 09/04/2023 às 3:00
Estabelecimento contará com buffet de sopas. Foto: Divulgação
Estabelecimento contará com buffet de sopas. Foto: Divulgação

O título não é de minha autoria. Tampouco de um pensador com inclinações masoquistas, até porque governar, seja lá o que for, é a maior aspiração de quem envereda pelo caminho da Política. Tem o peso enorme de encargos e a feliz sensação do reconhecimento público quando o governante cumpre com dignidade a tarefa que lhe é delegada.

O autor é Mocidade, João da Costa e Silva, personagem famoso do folclore político da Paraíba, Estado-berço de brilhantes inteligências, grandes e eloquentes oradores. Mocidade, intitulava-se o Grande Tribuno das Calçadas e, com ou sem efeito do álcool, percorria a cidade, proferindo improvisos emocionantes para destilar impropérios contra o governo do Estado e, em especial, contra os governos militares.

Pois bem, médico e cronista José Mário Espínola (Blog do Rubão, em “Não me TOCs), ao registrar que o governador João Agripino se divertia com essas figuras folclóricas, relata o seguinte episódio: “Certa noite, João Agripino chegou à residência oficial do Governador, então no Cabo Branco, e ao passar pela cozinha encontrou ninguém mais, ninguém menos que Mocidade tomando uma sopa. Não conseguiu resistir: - Muito bem, seu Mocidade: passou a tarde discursando contra mim, e agora está aí tomando da minha sopa! Mocidade fez uma pausa segurando a colher, olhou blasé de soslaio, dizendo: - Ora governador: governo foi feito para sofrer!". E voltou a se dedicar à sopa.

“O sofrer” de Mocidade equivale para os doutos da ciência política ao grau de complexidade e exigências, impondo, a cada dia, mais dificuldades ao exercício da governança: demandas e expectativas crescentes frente a meios insuficientes; cobranças amplificadas pela unidade assustadora da palavra, da escrita, da imagem, tudo junto e misturado no impacto instantâneo das mídias sem se saber exatamente o que é o mundo real ou o mundo paralelo; o falso ou o verdadeiro; incertezas, cisnes negros e o aleatório seguem como ameaças permanentes aos que detém o leme do governo. No mínimo, acentuam-se rugas precoces como o retrato das responsabilidades.

O mais relevante: governar não se aprende na escola, melhor dizendo, é um aprendizado constante, iluminado pela noção de tempo, pela paciência da escuta e pela força das virtudes.

Tempo pode ser aliado ou inimigo: é um recurso perecível, deve ser compreendido na sua amplitude de que “há tempo para tudo” e acertar o passo para semear e colher, rápido, porém, devagar. Não perdoa quem não sabe trabalhar com ele.

Escuta exige atenção e respeito; ouvir e enxergar o outro; antes persuadir do que convencer, porque persuadir levam as pessoas a fazerem o que deveriam fazer sem ser persuadidas o que é mais leve do que conquistar (con)vencendo.

Virtude, a disposição adquirida para fazer o bem. É o que afirma a excelência de ser e agir humanamente. E aí se somam aos atributos supostamente viris (força, coragem, energia, dinamismo, ordem) à prática da “política do feminino” que é a política do afeto, da sensibilidade, da imaginação e do cuidado.

Mocidade não tinha pretensões de ingressar na galeria dos filósofos. Apenas externava o saboroso passatempo de falar mal do governo. A Democracia assegura este direito fundamental à oposição no exercício do contraditório e à liberdade de expressão dos cidadãos.

Por sua vez, uma das artes da Política, que é governar, oferece aos detentores do poder a vacina contra o que lhe pode causar sofrimento: a dimensão política da paixão que é o compromisso com valores, princípios e causas capazes de transformar a vida das pessoas; a perspectiva que é a dimensão histórica da esperança renovada no futuro.

A façanha de Mocidade, um ser pensante da sabedoria popular, aproximou-se do notável Millôr Fernandes que, com refinado humor, nos legou uma frase demolidora: “Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados”.

Gustavo Krause, ex-governador de Pernambuco

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