OPINIÃO

O Direito, a ética, a violência e o lugar de cada um deles

Têm sido recorrentes no noticiário os informes de episódios de descontrole, inclusive, entre operadores do Direito e legisladores, o que é grave.

Gustavo Henrique de Brito Alves Freire
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Gustavo Henrique de Brito Alves Freire
Publicado em 13/04/2023 às 0:00 | Atualizado em 14/04/2023 às 11:43
ALLISON SALES/Estadão Conteúdo
Flávio Dino: convidado para audiência pública na Câmara dos Deputados, ministro foi obrigado a ver posturas indecorosas, suficientes para perda de mandato, tudo transmitido ao vivo - FOTO: ALLISON SALES/Estadão Conteúdo

Veja-se o ocorrido nas Comissões de Constituição e Justiça e de Segurança Pública da Câmara dos Deputados em audiências para as quais convidado o Ministro da Justiça. Tudo transmitido ao vivo. Posturas indecorosas, suficientes para a perda de mandato, não a mera advertência, mas que alguns aplaudem. Que mensagem é passada, por exemplo, à infância e à juventude por tais comportamentos?

Já em fevereiro último, o Órgão Especial do TJSP puniu magistrado que empurrou a esposa durante discussão e não prestou socorro após ela cair no chão e sofrer lesões graves. No julgamento disciplinar do caso, duas correntes. Uma a da dúvida sobre quem agrediu quem primeiro. Remédio: in dubio pro reo, absolvição. A outra a de que a violência não é justificável, ainda mais diante de laudos periciais que atestaram que as lesões sofridas pela vítima foram piores que as do acusado, fora a inércia de prestar socorro, o que foi corroborado por testemunhas. Solução: condenação.

Em outro incidente, um advogado em Brasília foi filmado agredindo uma também advogada, sem indícios de legítima defesa, depois de discussão no estacionamento de restaurante. Motivo banal (suposto estranhamento entre os cães de ambos). O agressor teria ainda enviado mensagens ameaçadoras nas redes sociais ao Presidente do Tribunal de Ética da Seccional por ter a entidade intervindo, cumprindo o seu papel (sob pena de conduta análoga à prevaricação).

No Brasil e pelo mundo, existem vários outros episódios, de carrada, que não se esgotam na violência física - a violência nesse aspecto ironicamente uma manifestação democrática, já que não exclusiva desse ou daquele perfil. Longe de serem ocorrências isoladas, denotam um quadro, repita-se, alarmante, de que também são exemplos os recentes ataques covardes a escolas, com vítimas (sempre inocentes) fatais.

Concentrando a reflexão na advocacia brasileira, é oportuno frisar o que se contém no Código de Ética da profissão (editado em 2015), que, em seu artigo 2° estipula os deveres de todo inscrito na entidade (estagiários e advogados), esteja ou não em horário de expediente, de preservar a honra e a dignidade do múnus e de velar por sua reputação pessoal e profissional.

Nessa direção, em resposta à Consulta n° 49.0000.2018.012292-5, o Órgão Especial do Conselho Federal afirmou (Ementa 041/2020): "Não se escusa o advogado, sob o argumento de que tenha adotado esta ou aquela conduta na qualidade de cidadão comum, e não no efetivo exercício da profissão, porquanto é impossível separar estas duas situações, no que respeita a advocacia".

A violência é também um problema de saúde pública. Afeta a qualidade de vida, as relações e a integridade emocional. Se, de um lado, suas causas são distintas, de outro, não é aceitável querer rotinizá-la como linguagem ou para silenciar, intimidar ou constranger.

A ética da não-violência, de que trata Judith Butler, já aponta que "a interdependência social caracteriza a vida e, a partir daí, proceder a uma explicação da violência como um ataque a essa interdependência; sim, um ataque contra as pessoas; mas talvez, e mais fundamentalmente, um ataque contra os 'laços'".

Para coexistirem, não se pode exigir que as pessoas sempre concordem umas com as outras, mas se pode, sim, exigir que elas busquem a superação dos seus conflitos, demônios existenciais e crises sem se atacar.

Se a ética é o filtro que determina o compromisso de cuidar exatamente para que, como ensina Cortella, a consciência coletiva não acabe anestesiada e se passe a acreditar que tudo é normal, combine-se como ponto de partida que, com certas premissas, não dá para transigir.

Concluo com Ghandi: "A violência só derrotará a violência, quando alguém me demonstrar que alguma escuridão possa ser iluminada por mais escuridão". Sigamos adiante, na paz. Lugar de brigão é no cantinho do castigo, até aprender, na palavra ou na privação da própria liberdade, que o argumento sério não se impõe, nem é gritado, mas convencido.

Gustavo Henrique de Brito Alves Freire, advogado

 

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