Na quarta-feira, 05 do mês corrente, o Brasil amanheceu sob o impacto de mais uma tragédia devastadora: homem, estranho à creche, mata quatro crianças na cidade de Blumenau, em Santa Catarina. Petrificado, fui, aos poucos, despertando do que julgava um pesadelo até tomar conhecimento completo dos fatos.
A fuga do real, um frágil escudo da minha fraqueza interior, me fez mergulhar no silêncio absoluto e pensar sobre a perversidade sem limite. Mudo e triste, ia levando os dias na esperança da cura pelo remédio do tempo.
Recebi conselhos ajuizados: amigo, todo dia as tragédias se repetem; enfrente ou adoeça gravemente; reflita e tente compreender para se colocar ao lado dos que, solidários, não desfalecem diante das patologias individuais e sociais; contraponha a fé que ilumina e a força que transforma, abraçando o engajamento nas causas que se antepõem a todo tipo de violência.
Nada, porém, que aliviasse uma profunda inquietação: o que leva um ser humano a cometer crime tão hediondo? Cético em relação às certezas definitivas, restou-me assumir a consciência do mundo real em que habitam, dentro de cada um de nós, anjos e demônios em permanente conflito.
O primeiro impacto para retomada da consciência veio com a manchete do Estadão "Barbárie vai à escola". Uma triste coincidência: a escola é (ou deveria ser) o berçário da civilização; espaço de acolhimento, cuidados em que são plantadas sementes civilizatórias de modo a separar o humano do não-humano. Ali, prevaleceram, no gesto destruidor, extrema crueldade e a negação dos afetos naturais que levam até os animais a protegerem seus semelhantes.
A história está repleta de exemplos em que civilizações, para além da guerra cometeram, com requintes inacreditáveis, crimes de genocídio.
Não faltaram notáveis pensadores que identificaram na violência traços sádicos culturalmente reprimidos e, na raiz, as pulsões de vida e de morte.
Neste sentido, as autoras do livro O mal que nos habita (Gwen Adsead, psiquiatra forense do Reino Unido e a escritora e dramaturga Eileen Horn - Companhia das Letras, SP, 2022), cujo título tomei emprestado para o artigo, após vasta experiência de psiquiatra e psicoterapeuta com criminosos violentos, escreveram: "Um fio condutor importante foi meu estudo de afeições na infância em relacionamentos e sua associação com a violência posterior".
É o ponto de partida das monstruosidades que se alimentam de fatores culturais. socioeconômicos, relacionais e as mensagens políticas que, ostensiva ou sutilmente, fomentam impulsos de medo, ódio e vingança. A propósito, a famosa frase do então primeiro-ministro do Reino Unido, John Major, "A sociedade precisa condenar um pouco mais e compreender um pouco menos", resultou em graves consequências, acirrando o apetite público por punição.
A violência é uma doença contagiosa e fatal para os sentimentos de solidariedade e esperança. E mais: nos retira a sensibilidade de olhar para as pessoas, sabendo que nós somos mais parecidos do que diferentes. No entanto, o mal que nos habita acende a capacidade de luta pela paz interior e a mobilização inspiradora para continuar abrindo portas e criando espaços que ofereçam um bem que transforma e não nos pode ser tirado: a educação.
A creche Cantinho Bom Pastor vive e viverá, cuidando um dos outros, educando a todos e oferecendo ao próximo o amor universal da comunhão.
Gustavo Krause, ex-governador de Pernambuco
Comentários