OPINIÃO

Novo Ensino Médio: educação, cidadania e trabalho

Precisamos melhorar a reforma do ensino médio, mas não podemos mergulhar no obscurantismo ideológico que o condena, nos lançando ao atraso num mundo cada vez mais em transformação.

JORGE JATOBÁ
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JORGE JATOBÁ
Publicado em 18/04/2023 às 0:00 | Atualizado em 18/04/2023 às 12:23
Gabriel Jabur/Agência Brasil
"Não adianta a economia progredir se os postos de trabalho criados não são preenchidos por falta de qualificação ... - FOTO: Gabriel Jabur/Agência Brasil

Todos nós conhecemos que, apesar dos lentos avanços ao longo dos anos, a educação brasileira, em todos os níveis, não tem estado à altura dos desafios do desenvolvimento do país, não cabendo aqui identificar as causas deste indesejável resultado. Cabe destacar, todavia, que as variações nos níveis de desigualdade de educação explicam pelo menos 40% das desigualdades de renda no Brasil e que, pela experiência internacional, desigualdades educacionais observadas até os 14-16 anos de idade são determinantes dos diferenciais de renda observadas durante a vida economicamente ativa dos adultos.

No ensino médio, em particular, tem-se observado, ao longo de décadas, elevadas taxas de evasão escolar que tem múltiplas causas entre as quais se destacam a percepção pelos estudantes de que o conteúdo do ensino não atende majoritariamente aos anseios de conexão ao mercado de trabalho independentemente de o aluno desejar ou não avançar para o ensino superior. A reforma do ensino médio, cuja implementação iniciou-se no ano passado buscou, criar itinerários curriculares alternativos que permitissem ao estudante de nível médio ampliar suas possibilidades de inserção no mercado de trabalho como empregado ou empreendedor.

Educação é para formar cidadãos e dotar os jovens com habilidades e competências para obter uma renda vendendo os seus serviços no mercado de trabalho, se optar por uma ocupação formal ou informal ou, se empreendedor, vendendo serviços e bens nos mercados que os ofertam. Como qualquer reforma, esta deve progredir e se ajustar aos ditames da realidade que é mutante. Ajustes são quase sempre necessários. Todavia, tem-se observado uma crítica ideológica e não técnica aos novos conteúdos e processos do novo ensino médio. Uma delas é que não se deve formar jovens para que ajudem os empresários a aumentar seus lucros, ou, na linguagem marxista, para que o valor gerado pelo trabalho seja apropriado como mais valia pelo capitalista. Esta crítica nega o funcionamento do sistema capitalista de produção e ignora como os mercados funcionam. No sistema capitalista temos de educar, formar, qualificar e requalificar a força de trabalho para que, com dignidade, e dentro do marco legal vigente, as pessoas possam aumentar suas chances de obter um emprego ou de se tornar um empreendedor. O marco legal das relações de trabalho e os resultados de negociações coletivas amparadas em sindicatos fortes devem garantir que os trabalhadores formais tenham seus direitos garantidos e suas remunerações ajustadas periodicamente as cambiantes condições do mercado, como a taxa de inflação, ou a ganhos de produtividade obtidos por uma maior eficiência produtiva.

O mercado de trabalho está passando por profundas transformações que foram aceleradas pela pandemia e pelos avanços na tecnologia digital, especialmente pelos progressos na inteligência artificial. As mudanças são profundas e desafiadoras. Os processos de trabalho estão se transformando e exigindo novas relações entre capital e trabalho e novas habilidades e competências para enfrentar os desafios do trabalho remoto, híbrido e polivalente. O nosso mercado de trabalho apresenta aparentes contradições: de um lado desemprego e informalidade elevados e de outros milhares de vagas não preenchidas por falta de qualificação, especialmente os de nível médio. Costumo dizer que a melhor politica de emprego é o crescimento econômico, mas não adianta a economia progredir se os postos de trabalho criados não são preenchidos por falta de qualificação cujos fundamentos básicos teriam que ser aprendidos no ensino médio, especialmente aqueles com itinerários profissionalizantes e conectados com as exigências de uma economia que crescentemente transita da era analógica para a era digital.

A educação, em todos os níveis, tem múltiplos objetivos e um deles é formar cidadãos conscientes e comprometidos com a democracia e a redução da pobreza e das desigualdades. No entanto, estes mesmos cidadãos precisam estar melhor preparados para os desafios de uma economia de mercado que apresenta profundas transformações nas suas demandas por trabalho exigindo conteúdos que podem ser ensinados às novas gerações de jovens que precisam se empregar para gerar renda, consumo e crescimento econômico, gerando um ciclo virtuoso de desenvolvimento. Não há contradição entre esses objetivos. Precisamos melhorar a reforma do ensino médio, mas não podemos mergulhar no obscurantismo ideológico que o condena, nos lançando ao atraso num mundo cada vez mais em transformação.

Jorge Jatobá, doutor em Economia

 

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