OPINIÃO

É dando que se recebe

Ocorre que o Santo, fonte de inspiração do Papa Francisco, se dedicou a defender inteira e humildemente às duas causas impiedosamente fustigadas: a Natureza pelos maus tratos; aos mais pobres entre os mais pobres pela indiferença.

GUSTAVO KRAUSE
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GUSTAVO KRAUSE
Publicado em 30/04/2023 às 0:00 | Atualizado em 30/04/2023 às 9:15
JAILTON JR./JC IMAGEM
"Aqui, o sentido é o chamamento para solidariedade e fraternidade humana, graves carências do nosso tempo" - FOTO: JAILTON JR./JC IMAGEM

O tópico da Oração de São Francisco, a meu ver o mais belo e tocante cântico religioso, foi manipulado de forma desavergonhada para dar um torpe significado à troca de favores no jogo político do clientelismo brasileiro.
Aqui, o sentido é completamente diferente: é o chamamento para solidariedade e fraternidade humana, graves carências do nosso tempo. Padroeiro da ecologia, Giovanni Di Bernardone, (a quem o pai chamava “Francesco”), nascido em Assis, filho de família rica, desfrutou de uma vida burguesa, mundana e extravagante. Foi também um valoroso guerreiro.
O belo processo de conversão teve o testemunho de Tomas Celano, discípulo e seu primeiro hagiógrafo. Na literatura moderna foi alvo de enorme devoção de Hermann Hess a quem se referiu como o Poverello de Assis, “mensageiro e semeador divino”.
É possível que um leitor imagine que virei pregador, deixando de lado tantos temas importantes que têm levado pensadores, filósofos, estudiosos a debaterem sobre a natureza dos desafios superpostos que estamos vivendo se é ou não uma policrise. Independente da correção do conceito, o momento histórico é muito grave.
Ocorre que o Santo, fonte de inspiração do Papa Francisco, se dedicou a defender inteira e humildemente às duas causas impiedosamente fustigadas: a Natureza pelos maus tratos; aos mais pobres entre os mais pobres pela indiferença.
E o que dizemos nós diante da permanência das lições franciscanas? O que dizem os líderes políticos com a dissipação de portentosos gastos? O que dizem os tiranos em guerra com o cortejo fúnebre que geram? O que dizem os magnatas, os bilionários com seus gastos ostentosos? O que dizemos ou fazemos nós, cidadãos comuns, como membros de uma comunidade global em agonia?
Com o esgotamento da ideia de progresso como crescimento econômico a qualquer preço, nossa sobrevivência passou a depender da observância de três letras mágicas: ESG. Tirando o G (Governança) que é instrumental, ficamos diante de duas realidades: Social/Desigualdade e o Meio Ambiente que foram enxergadas, compreendidas e sentidas por São Francisco de Assis (1181-1226), como a sororidade entre os que moram sob o mesmo teto, aquecidos pela luminosidade do (irmão) Sol e encantados pelo brilho da (irmã) lua.
A salvação é transformar a solidariedade e a fraternidade em ações concretas e mobilizadoras. De fato, existem políticas públicas, políticas corporativas, iniciativas filantrópicas importantes, mas insuficientes para libertar as pessoas da forme, da sede e do universo ameaçado.
A argamassa que une uma mobilização global para enfrentar o risco da hecatombe é a disseminação de uma “a cultura da ajuda”, em grandes proporções, para enfrentar a tragédia da emergência climática e a vergonha que é a urgência da fome.
Preferi não citar nomes ou instituições e, até mesmo países, em que já se pratica algo como doar aos vivos e aos que vão nascer tudo ou quase tudo que construímos em vida. Uma espécie de contribuição voluntária ao futuro, assegurada por sólidos arranjos institucionais.
Vou me olhar para avaliar se, na minha pequenez, estou dando para receber o retorno de uma consciência menos intranquila, a Natureza mais viva, e os bem-aventurados pobres abrigados no reino da dignidade humana.

Gustavo Krause, ex-governador de Pernambuco

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