OPINIÃO

Um "dia" para a educação

E na ausência de utopias esperançosas terminaremos por nos voltarmos contra o passado. Aliás, já estamos fazendo!

JC
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Publicado em 01/05/2023 às 23:54
BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM
"O que faremos neste dia? Educaremos alguém, como quem dá um presente ao papai no Dia dos Pais? Daremos um aumento substantivo aos educadores?" - FOTO: BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM

Suspeito que os supostamente frágeis, os desamparados, os historicamente oprimidos sempre terminam por ganhar um "DIA": Dia do Índio, da Consciência Negra, da Mulher, da Criança, do Professor... Nunca ouvi falar do Dia do Tirano, do Macho, do Senhor de Escravos, do Carrasco! A Educação, provavelmente uma entidade frágil, tem também seu DIA, que acabou de passar. Receio que sua suposta fragilidade exija que lhe reservemos um DIA para que não a esqueçamos. O que faremos neste dia? Educaremos alguém, como quem dá um presente ao papai no Dia dos Pais? Daremos um aumento substantivo a todos os educadores?

Nós entendemos, mesmo que de forma imprecisa e intuitiva, que não nascemos com uma "natureza" (que é essência) humana: se acreditássemos nisso não precisaríamos de educação para adquirir os atributos que nos fazem "humanos" (o chamado Menino-Lobo, Victor, mostrou que a coisa pode ser bem complicada quando não somos educados por outros humanos!), ou não faríamos discursos sobre a "humanização" (que é processo) do homem pela educação.

Rousseau foi o pensador que revolucionou nossa concepção moderna de infância e, por conseguinte, de educação: para ele a educação envolvia a cabeça (o pensar), as mãos (o fazer) e o coração (a sensibilidade moral), mas, pensava ele, nunca estaríamos completamente "prontos": toda "educabilidade" é aperfeiçoamento, quer dizer, a esperança de que seremos aquilo que ainda não somos, mas que permaneceremos sempre "incompletos". Fundamentar a educação nesta esperança é uma típica fé moderna naquele aperfeiçoamento, e que só pode ser concebida no interior de uma determinada concepção de história, HISTÓRIA como recurso secular dos imperfeitos (um "Ser Perfeito" não precisa de História).

Da educação nós já estivemos esperando muita coisa e que ela, de alguma forma, nos "salve": da opinião ou do senso comum (Platão), da tentação (Agostinho), da irracionalidade (Descartes), da tirania (Voltaire), da alienação (Marx), da opressão (Paulo Freire), da sociedade carcerária (Foucault)... O problema é que existe uma "outra" educação que faz exatamente o contrário: há, da mesma forma, uma educação para a alienação, para o senso comum, para a irracionalidade, para a alienação, para a servidão. Ou seja: nem toda educação liberta ou humaniza (o preconceito, a exclusão do outro, o ódio, também precisam ser ensinados!), e aquilo que é visto numa determinada época como "libertador" (o Iluminismo ou a tradição Humanista europeia, por exemplo), pode ser visto em outra - a nossa!- como opressivo, etnocêntrico, colonial, etc. Assim, nunca saberemos se o que estamos "produzindo" em termos educacionais (na teoria e na prática) representa um avanço na ideia de "aperfeiçoamento". Estamos, como educadores, presos à uma profissão encurralada entre a INCERTEZA e a ESPERANÇA!

A Esperança - uma das três virtudes teologais- produziu o neologismo verbal ESPERANÇAR, entendida como ação concreta, política, para que o que esperamos se realize: o problema é o quê devemos "esperar/esperançar"? Sujeitos autônomos e conscientes? Cidadãos ativos e intervenientes? Trabalhadores produtivos, disciplinados e dóceis? O militar robotizado e obediente? O problema está em querer definir o "sujeito" final da educação (o cidadão, o trabalhador, o patriota...): sabemos sobre o que ele - o educando - deve ser, antes de ser. É por isso que toda educação inicia por nomear a consciência do Outro em sua precariedade (o outro educando/educável é "ignorante", "inculto", "analfabeto", "inexperiente", "alienado", "ingênuo"...), esperando que, ao final (?) ele tenha saído de sua situação original. E, claro, é preciso que haja alguém que nomeia, quer dizer, que sabe sobre o Outro o que ele mesmo ignora e, nesse momento, eu posso não apenas me entronizar como educador como me legitimar para estabelecer uma relação específica com ele: a relação pedagógica, que é diferente de todas as outras relações intersubjetivas.

Antigamente, nós acreditávamos que a educação estava baseada numa "transmissão" -de um saber- de um lugar (o professor) para o outro (o aluno): essa ideia, batizada de "educação bancária" (Paulo Freire) foi desmoralizada (embora o próprio Freire tenha estudado numa escola certamente "bancária" e, assim mesmo, tenha se tornado... Paulo Freire!). Mas, bem ou mal, aceitemos que há sempre algo que se "transmite" em todo ato educativo: o Mundo! Hannah Arendt dizia que a "educação é aquele ponto em que decidimos se amamos o Mundo suficientemente para permitir sua continuidade". Se há algo que precisa ser "transmitido" pela educação é o Mundo (e não necessariamente saberes engessados) e sem essa transmissão estaremos no escuro, sem lembrança e, sobretudo, sem esperança. E na ausência de utopias esperançosas terminaremos por nos voltarmos contra o passado. Aliás, já estamos fazendo!

Flávio Brayner, professor da UFPE

 

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