Surgidas na década de 90 do século passado, as redes sociais revolucionaram a comunicação. Isso é certo. Porém, como toda invenção humana, acabaram também deturpadas aqui e ali, passando a servir de abrigo para discursos de violência, ódio e preconceito, propagação de notícias mentirosas (fake news) e cometimento de crimes.
O mundo moderno é digital. Fato. Estamos todos inseridos em uma complexidade social advinda disso. Fato também. Quando se prioriza o bem estar, sobretudo, de crianças e adolescentes, compreende-se o porquê as redes sociais não podem ser "terra de ninguém", nem seus provedores podem se considerar acima das leis; logo, é intuitivo que algum controle de limites, dentro das balizas do constitucionalismo da tutela das liberdades, se faz necessário.
O Marco Civil da Internet (2014) e a LGPD (2018) são remédios importantes, mas que se vêm provando insuficientes. Urgem novos caminhos, a exemplo da eventual responsabilização civil dos provedores pela violação de deveres e pela manutenção de postagens com conteúdo manifestamente ilegal, depois do recebimento de comunicação para exclusão.
O tema é intrincado e não comporta alarmismos. Não é do "dia do juízo final" que se está a falar.
Veja-se a Alemanha. Tendo como marco principal o "Network Enforcement Act (NetzDG)", a experiência germânica, embora recente, tem servido para outros ordenamentos jurídicos, tanto na própria União Europeia, quanto para outros países de fora do bloco.
O certo é que, como reconhecem Amália Batochio, Paola Cantarini e Samuel Oliveira (CONJUR, 15/06/2021), "essa falta de controle [mais efetivo] colocou as redes sociais nas mãos de poucos e poderosos 'gatekeepers', que hoje detêm um poder tanto econômico quanto social". Isso por que "elas também permitem que seus usuários disseminem discursos de ódio, desinformação e demais tipos de conteúdo ilegal", o que altera o foco de discussão, alcançando o desenho de um esquema de "due dilligence obligations", ou seja, para prevenir ou remediar danos advindos de publicações indevidas sem comprometimento da liberdade de expressão ou a violação a outras garantias individuais fundamentais.
O debate está no seu apogeu em todo lugar. Até a Unesco entrou na roda, quando em sua 41ª Conferência Geral, respaldou os princípios da Declaração de "Windhoek 305", que reconheceu a informação como bem público e fixou objetivos para garantir que ele seja compartilhado por todos: (a) a transparência das plataformas digitais, (b) o empoderamento dos cidadãos através da alfabetização midiática e informacional e (c) a viabilidade dos meios de informação.
Estudiosos majoritariamente entendem por uma regulação. O que se controverte é sobre qual regulação adotar. Se de um lado as plataformas tornaram-se praças públicas, de outro, são geridas por empresas de tecnologia, claro que cada vez mais lucrativas, o que equivale a um monopólio privado, concentrando tais empresas o poder de determinar o que pode ou não ser dito pela sociedade. Tem algo errado nessa foto.
A distribuição de conteúdo é operada por algoritmos e movida pelo engajamento e pela publicidade, com produção de conteúdo baseada em raiva e fanatismo promovido, o que finda por "quebrar a espinha dorsal da democracia" e reduzir a promoção do debate público na internet. O paradigma de neutralidade de conteúdo ("content neutrality") que é a tônica do artigo 19 do Marco Civil da Internet está ultrapassado.
A liberdade nas mídias sociais deve estar suscetível a ser regulamentada no interesse público, da mesma maneira como se dá com qualquer direito. Trata-se como escreveu Ricardo Marques de Almeida (CONJUR, 05/03/2023) de um "reclame de nosso tempo".
Encerro citando Gustavo Binenbojm, professor da FGV, para quem "é preciso aprimorar a regulação das redes sociais, impondo-lhes as mesmas regras aplicáveis a veículos de comunicação. Afinal, o uso abusivo dessas plataformas influencia as autodeterminações individual e coletiva, colocando em risco a vida de minorias, a saúde pública e a democracia" (CONJUR, 14/03/2023). Em síntese, "big techs" não pairam acima e à margem do Estado de Direito. Eis o parâmetro de que se deve partir.
Gustavo Henrique de Brito Alves Freire, advogado
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