OPINIÃO

Ânsia de liberdade

Escolho a liberdade integral, ancha de quimeras. Aprecio saber-me capaz de ir além do que vejo. Não me peçam para retrair-me. Estarei sempre à caça da imensidão dos impulsos. Jamais desejo despertar dos enlevos.

FÁTIMA QUINTASfquintas84@terra.com.br
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FÁTIMA QUINTASfquintas84@terra.com.br
Publicado em 03/05/2023 às 0:00 | Atualizado em 03/05/2023 às 15:13
GEOFF ROBINS / AFP
"Tenho a capacidade de envolver-me com as miragens. Tudo parece tão vasto e indefinido! Desconheço conclusões, acato infinitas esperanças" - FOTO: GEOFF ROBINS / AFP

O papel em branco me assusta. Tenho a sensação do nada e, ao mesmo tempo, da dificuldade de encontrar palavras certas para transmitir o que gostaria de dizer. Então, surgem ideias à toa em busca do desejo de acertar. Quase sempre entro em contradição, vou e não vou, um emaranhado de arroubos que se perdem em meio às próprias emoções. No entanto, entrego-me a uma linguagem espontânea, a expressões que vão reduzindo os impulsos sem que eu tenha a noção de criar determinismos próprios. Caminho entre vários eus, libertos de proibição. E me permito dialogar com o texto que vai nascendo espontaneamente. As estradas se cruzam, se alongam, seguem sob o signo da vontade interior. Fujo dos ortodoxos vieses, busco a alforria de dizer em um compasso de intimismo. Que cada letra me oriente no incentivo de ir além.

De nada sei. Como se o mundo me cercasse por todos os lados, sem limites, visando obstruir o pensar. E retorno à infância, às brincadeiras no quintal, à alegria de sorrir, ao desejo de inventar-me por completo. São tantas as nuances que me confundo, ainda que siga em meio à multidão dos enlevos. Assim, aspiro a incontáveis esperanças. Deixo-me inundar pelas fantasias que me cercam. Apetece-me fugir da realidade e entregar-me de corpo e alma ao devaneio. Então, sigo pelos sonhos que invento e reinvento. Vou em frente, quase esquecida das lições que aprendi ao longo do tempo. Abro a janela e espio o imenso céu que me cerca. Sou avessa a rígidos raciocínios. A invasão acontece por todos os lados e não escolho estradas para a etérea linguagem. Opto pela imensidão dos caprichos. Assim, parto mundo afora. Sem sair do lugar. Entre o Ser e o Estar.

Tenho a capacidade de envolver-me com as miragens. Tudo parece tão vasto e indefinido! Desconheço conclusões, acato infinitas esperanças. Sigo à toa, afinal, o que me apetece é a largueza da vastidão. O intenso ganha proporções ilimitadas. O pensamento se encarrega de invadir o universo. Serei sempre hesitante no ir além, muito além das estradas aparentemente viáveis. De nada sei e de tudo sei. Contradição? Não. Não. Apenas coerência nos infinitos anseios. Serei sempre atenta ao rodeio das quimeras. E o poeta me alerta: "É hoje que sinto/Aquilo que fui./Minha vida flui,/Feita do que sinto".

O silêncio me aguça na atmosfera da ilusão. Vou além. Ultrapasso a inventividade do mundo incapaz de recuar. Fujo das afirmações. Que os mistérios habitem o limiar das fantasias. Desprezo vãos ensinamentos. Escolho a liberdade integral, ancha de quimeras. Aprecio saber-me capaz de ir além do que vejo. Não me peçam para retrair-me. Estarei sempre à caça da imensidão dos impulsos. Jamais desejo despertar dos enlevos. Eles me elevam ao máximo de altitude. Então saberei alcançar o limiar do ser. Que nada reprima a ânsia da liberdade.

Fátima Quintas, da Academia Pernambucana de Letras

 

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