Tema que rotineiramente volta à berlinda, o racismo é um sistema de opressão. Pressupõe relações de poder de um grupo dominante contra um grupo dominado (cito Djamila Ribeiro). É ideia que se conecta com a de distinções externas e corporais entre os seres humanos, as quais denotariam superioridade ou inferioridade de certos grupos em relação a outros. O preconceito, por sua vez, equivale a definir antecipadamente um conceito sobre alguém ou grupo. Por fim, a discriminação racial significa tratar diversamente alguém ou grupo em razão da raça.
Na perspectiva do direito internacional, o racismo é a teoria, doutrina ou ideologia segregacionista, que enuncia um vínculo de causa e efeito entre características fenotípicas ou genotípicas de indivíduos ou grupos e seus traços intelectuais, culturais e de personalidade.
Absorvidas tais premissas, a análise se aprimora a partir da percepção do significado expandido do episódio ocorrido em recente voo que partiria de Salvador com destino a São Paulo, no qual Samantha Barbosa, negra, professora, pesquisadora da Fiocruz, foi expulsa da aeronave e dela escoltada por agentes da Polícia Federal, sob a alegação de que sua mochila - contendo seu notebook, ferramenta de trabalho - teria que ser despachada.
A expulsão não foi outra coisa senão um castigo pelo atrevimento da recusa a uma determinação que, segundo a própria página na Internet da companhia aérea, jamais poderia ser cobrada, eis que ali afirmado pela empresa que laptops só podem ser transportados como bagagens de mão.
A reação de Samantha colocaria em risco a segurança da aeronave ou das pessoas a bordo, o que, nos moldes do artigo 168 do Código Brasileiro da Aeronáutica (Lei 7.565/1986), permitiria ao comandante do voo determinar seu desembarque. No entanto, para além da filmagem do incidente, que não revelou pessoa descontrolada, testemunha que falou à imprensa atestou que presenciara outra passageira acomodar três volumes de mão no compartimento de bagagens, em que pese as ponderações da tripulação para que não agisse dessa maneira.
O racismo é agressão e como tal precisa ser encarado. Tem se projetado, por exemplo, ainda, nos reconhecimentos fotográficos de suspeitos em delegacias de todo o País, segundo relatório da Defensoria Pública do Rio de Janeiro em parceria com o Colégio Nacional de Defensores Públicos, no recorte temporal de 2012 a 2020. Já o STF tem discutido se o chamado "perfilamento racial" invalida provas colhidas durante abordagens policiais (HC 208.240/SP).
Aí, enfim, reside a "problemática". Mas e a "solucionástica", mormente a longo prazo? Proponha-se que o racismo não é comportamento afastável apenas legislando-se. Loas a iniciativas como a Lei 14.532/2023, que alterou o Código Penal e a Lei 7.716/1989. Contudo, para além delas, o que tem feito a sociedade?
O primeiro passo para combater o racismo é reconhecer que ele existe. É assegurar representatividade nos espaços coletivos de tomada de decisões. É não silenciar (silêncio aqui sinônimo de conivência). É se dar o direito de não rir de anedotas depreciativas e de não ter medo de ser rotulado como "chato" ao reagir indignado a esse tipo de brincadeira. Urge educar as crianças, conversar com elas, abrir-lhe os olhos e os cérebros, para que introjetem o respeito às diferenças desde a mais tenra idade. Que compreendam que, se uma sociedade é racista, o seu conjunto de instituições também o será e que o racismo advém de um processo histórico, não tendo surgido por combustão espontânea.
Encerro citando Luiz Gama, advogado negro que devotou sua vida à luta pelo fim da escravidão, personagem que deveríamos reverenciar muito mais: "Em nós, até a cor é um defeito. Um imperdoável mal de nascença, o estigma de um crime. Mas nossos críticos se esquecem que essa cor, é a origem da riqueza de milhares de ladrões que nos insultam; que essa cor convencional da escravidão tão semelhante à da terra, abriga sob sua superfície escura, vulcões, onde arde o fogo sagrado da liberdade".
Sejamos, pois, antirracistas no pensamento externado nas atitudes e não somente no discurso. Ou nada efetivamente irá mudar.
Gustavo Henrique de Brito Alves Freire, advogado