A realidade é desinteressante há muito tempo. É triste acordar para os dias iguais em mediocridade. Na ressaca dos bares, nenhuma ideia nova. A história, os movimentos, os acontecimentos são cíclicos, parece que a tudo já assistimos. E não aprendemos. Repete-se a ladainha: a educação não vem, a saúde não vem, o social continua na promessa, os licores das casas senhoriais são colocados em garrafas elegantes para mais uma noite de mexericos, dois meninos bobos brigam sobre o controle político da capital.
A guerra continua, uma extensão da pandemia a produzir mortos, vivemos para espreitar a morte dos outros. Está cansativo. Eu não posso mais. Dou lugar ao sonho: na ciência, na arte, na vida em geral, no amor. Interessa-me mais hoje a vida extraterrestre: se o espírito de porco não contaminar aqueles que lá fora vivem e que tenho a convicção de que encontraremos, receberemos algum dia infusões novas, não sei se melhores ou piores, mas novas. Pode ser até que, nesse dia extraordinário, ainda viva.
Cientistas da Universidade da Califórnia acreditam que alienígenas farão contato com a Terra até 2029. Eles acham que os extraterrestres podem ter captado um sinal enviado para a sonda Pioneer 12 em 2002. Vinte anos atrás. Dá-me lembrança. Quando era jovem, fomos os quatro amigos tentar exatamente manter contato, já longa a noite, com discos voadores no forte do Cabo de Santo Agostinho, por indicação de um membro de uma sociedade de ufólogos. Lá pelas tantas, o ponto vermelho no céu nos entusiasmou, a ponto de o mais aloprado entre nós ajoelhar-se e agradecer estar participando daquele momento: braços em cruz, dizia ó meu Deus, que maravilha, que emoção! Era só um avião, mas o sonho estava ali, há cinquenta anos.
O OVNI é coisa da ciência, é certo, mas também da arte, desde Júlio Verne, passando por diversas obras do cinema, como 2001, Uma Odisseia no Espaço, Contato (Carl Sagan), Coccon, o enternecedor ET, entre muitos outros. Eu sonho que, em 2100, quando o marco legal do saneamento estiver enfim completo e a salvo de dúvidas, milhares de advogados do meu escritório, falando diversas línguas, mas notadamente a hoje ininteligível língua extraterrestre que ainda sequer conhecemos, estarão ao redor do universo, teletransportados, assessorando investimentos dos alienígenas nas infindáveis necessidades básicas de infraestrutura do Nordeste que a realidade terrena jamais suportou, nem valorizou, nem quis olhar. Eles virão. Do espaço.
Eu sonho que a poesia artesanal e rudimentar que escrevo para você se ajustará ao sinal de alguma sonda espacial e tocará a estrela que a inspira, alcançando o verso o seu próprio objeto, e aí talvez tenhamos novo Big Bang, porque a força do verso é o sonho encontrando a realidade, e a realidade e o sonho são dois universos paralelos que se repelem. Já não quero o sofrimento ou a felicidade, quero a indiferença.
João Humberto Martorelli, advogado