OPINIÃO

A controvérsia do empate nos julgamentos tributários

O CARF, em proveito da imparcialidade, deveria gozar de autonomia financeira e administrativa, mantida sua subordinação à União. Qualquer solução, infelizmente, enfrentará resistência corporativa.

EVERARDO MACIEL
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EVERARDO MACIEL
Publicado em 06/05/2023 às 0:00 | Atualizado em 07/05/2023 às 14:45
Marcelo Camargo/Agência Brasil
Integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra ocupam o prédio principal do Ministério da Fazenda, em Brasília ( Marcelo Camargo/Agência Brasil) - FOTO: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Causou-me estranheza ler, na Exposição de Motivos da Medida Provisória (MP) nº 1.160, de 2023, que a extinção do voto de qualidade nas decisões do Conselho de Administração de Recursos Fiscais (CARF) produzira uma perda de arrecadação de R$ 59 bilhões.

A estranheza decorre da associação que se fez entre geração de receitas e critério de desempate nas decisões do CARF, órgão cuja finalidade é julgar, no âmbito administrativo, a procedência ou não de autos de infração lavrados contra contribuintes.

Presumir o CARF como órgão de arrecadação é desnaturar sua vocação, como já afirmara o tributarista Hamilton Dias de Souza no artigo "Voto de qualidade: inconstitucionalidade por falta de pressuposto de fato".

A Lei nº 13.988, de 2020, extinguiu o voto de qualidade no CARF, que era invariavelmente proferido por um representante do fisco, e previu que, nos casos de empate, a decisão beneficiaria o contribuinte.

A MP nº 1.160 pretende reestabelecer a situação anterior, com base em pífia argumentação. Independentemente de a MP vir ou não se converter em lei, é previsível a ocorrência de tratamentos distintos para uma mesma matéria, a depender do critério de desempate vigente na data do julgamento, o que concorre para ampliar a já elevada insegurança jurídico-tributária.

Esse imbróglio decorre da inviável representação paritária do fisco e do contribuinte. Órgãos de deliberação com um número par de membros encerram sempre a hipótese de empate nos julgamentos, o que implica a adoção de questionáveis critérios de desempate. Além disso, a legitimidade da própria representação é discutível.

Para enfrentar as impropriedades da paridade e da legitimidade da representação, uma solução seria prover o órgão de julgamento com servidores concursados para a função, abdicando da "representação" do fisco e do contribuinte, preservando a instância administrativa no processo tributário e compondo suas turmas com um número ímpar de julgadores. Esse modelo é adotado em Pernambuco, desde 1978, para os tributos de sua competência.

Uma opção mais modesta consistiria em preservar a representação paritária e constituir uma carreira de julgadores, com atribuições para presidir as turmas de julgamento, fixar suas pautas e proferir voto tão somente nos casos de empate.

De resto, o CARF, em proveito da imparcialidade, deveria gozar de autonomia financeira e administrativa, mantida sua subordinação à União. Qualquer solução, infelizmente, enfrentará resistência corporativa.

Everardo Maciel, consultor e ex-secretário da Receita Federal

 

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