O desabamento do edifício Leme, que vitimou seis pessoas em Olinda, no último dia 27 de abril, trouxe de volta à agenda da sociedade um tema que não é exatamente novo: as questões habitacionais envolvendo construções precárias; a ocupação de imóveis em estado crítico por pessoas que não têm outra perspectiva e a inércia do poder público para evitar tragédias dessa natureza.
Simplificando o debate, para muitos é apenas uma questão de bom senso: se os prédios estão condenados pela Defesa Civil, basta as pessoas não os ocuparem, até que as seguradoras responsáveis façam a necessária demolição. Mas problemas complexos exigem soluções muito mais complexas do que julga a nossa boa fé cidadã.
De acordo com a Fundação João Pinheiro, o déficit habitacional no Brasil, em 2018 (portanto, antes da pandemia), era de 5,876 milhões. Nesta conta, entram as famílias sem moradia ou que vivem em condições de moradia precárias em uma região, além de domicílios em coabitação e com elevado custo de aluguel. Com a pandemia, o cenário tornou-se ainda mais devastador: entre agosto de 2020 e maio de 2022 aumentou em 393% o número de famílias despejadas no Brasil, conforme levantamento realizado pela campanha Despejo Zero.
A Defesa Civil de Olinda já identificou a existência de pelo menos 110 edificações com risco de desabamento no município, abrangendo bairros super populosos, como Jardim Fragoso, Jardim Atlântico, Rio Doce, Casa Caiada, Bairro Novo, entre outros. As ações ajuizadas pelo Ministério Público para que esses edifícios não voltem a ser ocupados e sejam demolidos datam do início dos anos 2000 (algumas delas antes disso).
A Caixa Econômica é a entidade financiadora da maioria dessas habitações. Existem empresas seguradoras responsáveis. O Ministério Público tem amplo conhecimento do problema. O Judiciário tem ações em curso.
A Prefeitura tem um papel fundamental na assistência a essas famílias, tanto as que são proprietárias desses imóveis e outrora tiveram que desocupá-los, quanto aquelas que os invadiram, compraram ou os locaram, por completa falta de alternativa sobre onde residir.
A imprensa sempre cumpre o papel de acompanhar, denunciar, apontar. Mesmo assim, parece que, na ausência de quem lidere um caminho para solucionar ao menos a questão dos edifícios já condenados, o problema vai ser tornando parte da “paisagem” e, contraditoriamente, invisível.
Parece que já nos acostumamos de tal maneira com tragédias urbanas e sociais neste país, que o desabamento de um edifício nos comove, mas nem tanto. Sempre temos um problema tão maior diante de nós, que esse já já perde força. Nesses dias que se sucederam à tragédia do edifício Leme, não vi a mobilização do Legislativo, nem do estado nem do município, não vi novas posturas do poder público, só consegui enxergar mais e mais facetas do tanto de situações que afetam as pessoas mais carentes. Até o básico precisa ser dito novamente: habitação é dignidade.
Priscila Lapa é cientista política