OPINIÃO

Supremo Tribunal Federal anula decreto de indulto (graça), concedido ao ex-deputado federal Daniel Silveira.

A edição do Decreto da Graça, beneficiando o ex-deputado Daniel Silveira, não demonstrou em seu teor nenhum espírito humanitário, um dos elementos básicos para a concessão do perdão, mas, tão somente, deixou claro um eco de vingança e de desprezo às decisões da nossa Suprema Corte.

Adeildo Nunes
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Adeildo Nunes
Publicado em 11/05/2023 às 0:00 | Atualizado em 11/05/2023 às 11:36
EVARISTO SA/AFP
Ex-deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ) - FOTO: EVARISTO SA/AFP

Chama-se indulto, o perdão da pena, em sua totalidade ou parcialmente, coletivo ou individual, estipulado pelo presidente da República, mediante Decreto, beneficiando pessoas condenadas pela prática de crimes comuns. O perdão total é denominado de indulto pleno, enquanto o parcial denomina-se de comutação da pena. O Decreto Presidencial pode ser editado em benefício de todos os condenados do país (coletivo) ou de forma individual (graça). A Constituição Federal de 1988, todavia, proíbe a concessão do indulto para aqueles que tenham cometido crimes de terrorismo, tráfico ilícito de entorpecentes, tortura e aqueles que sejam considerados hediondos. O crime de terrorismo está regulamentado pela Lei Federal nº 13.260, de 2016, o tráfico de drogas pela Lei nº 11.343, de 2006 e a tortura pela Lei nº 9.455, de 1997. Os crimes hediondos, por sua vez, estão discriminados no art. 1º, da Lei Federal nº 8.072, de 1990. Como a lei penal não pode retroagir senão para beneficiar o réu, exemplificando, se alguém cometeu um crime hediondo antes de 1990, poderá ser beneficiado pelo indulto.

Por força da Constituição de 1988 (art. 84, XII), somente o presidente da República pode decretar o indulto, obedecendo as proibições impostas pela própria Carta Magna, a qualquer tempo, pois não existe um prazo determinado para a sua decretação. Por tradição brasileira e mundial, o indulto coletivo comumente é editado nas proximidades do natal, época de confraternização no seio da humanidade. Depois que a Constituição Federal de 1988 entrou em vigor, somente em dezembro de 2019 não houve a edição do decreto de indulto coletivo. O presidente Michel Temer, porém, inovou, quando decretou indulto especial, pela primeira vez na história brasileira, beneficiando exclusivamente mulheres presas, em homenagem ao dia das mães. Tudo isso para confirmar a discricionaridade do presidente da República para conceder indultos, obedecidas as restrições constitucionais.

Não obstante, o perdão da pena pelo indulto só gera efeitos jurídicos se homologado pela autoridade judiciária competente, no devido processo legal, que geralmente deve tramitar numa Vara de Execução Penal, dependendo de cada situação concreta em relação ao local do crime ou do estabelecimento penal onde o apenado esteja cumprindo a pena. Bem por isso, de nada adianta existir o Decreto de Indulto se o perdão não for homologado pelo juiz. Com base no Decreto Presidencial, o apenado deve requerer o perdão total ou parcial à autoridade judiciária competente, a quem caberá declarar a extinção da execução da pena do condenado, se presentes os requisitos estabelecidos no Decreto Presidencial. Sem esta homologação não há que se falar em perdão pelo indulto. Mesmo declarado judicialmente o perdão, entretanto, os demais efeitos da condenação permanecem, como, por exemplo, a suspensão dos direitos políticos do indultado, a reincidência e outros efeitos penais. O perdão, portanto, só evita o cumprimento da pena, mas o indultado permanece sendo considerado criminoso.

Em abril de 2022, o plenário do Supremo Tribunal Federal, por 9 (nove) votos a 1 (um), decidiu pela condenação do ex-deputado federal Daniel Silveira, a uma pena de 8 (oito) anos e 9 (nove) meses de reclusão, em regime fechado, além da perda do mandato eletivo e da suspensão dos seus direitos políticos, pela prática de crimes contra o Estado Democrático e coação no curso do processo. No dia seguinte à condenação, o então presidente Bolsonaro resolveu editar um indulto individual (graça), em favor de Daniel, causando enormes críticas no meio jurídico, porque o presidente, além de amigo íntimo do ex-deputado, tinha a mesma posição ideológica-partidária e as mesmas intensões antidemocráticas. O reboliço foi total, até que alguns Partidos Políticos ingressaram com várias ações de descumprimento de preceito fundamental, junto ao Supremo Tribunal Federal, buscando a declaração de nulidade do Decreto Presidencial, embasados em grave violação a dispositivos constitucionais.

O Supremo Tribunal Federal, como guardião da Constituição, exerce o controle jurisdicional de todos os atos praticados pelo presidente da República, ministros de Estado e demais órgão da administração pública federal, exatamente com a finalidade de preservar as normas constitucionais e os seus princípios. Em verdade, Bolsonaro não foi orientado que o perdão pelo indulto só pode ser concedido em benefício de réu definitivamente condenado, é dizer, que seja considerado culpado. Seria possível perdoar alguém que não é tido como culpado? A mesma Constituição só denomina de culpado aquele que tem contra si uma sentença penal condenatória transitada em julgado. Ora, com efeito, Bolsonaro editou o Decreto no dia seguinte à condenação, uma total afronta à decisão do STF, aliás, mais uma de todas quanto realizou nos seus anos de mandato.

Juridicamente perfeita, contudo, foi a decisão do plenário do STF que, por maioria de votos dos seus atuais 10 (dez) ministros, entendeu que o Decreto da Graça editado por Bolsonaro violou e atacou a independência de um dos Poderes da República, ademais, acintosamente, no dia seguinte à condenação, Bolsonaro pretendeu desconfigurar uma condenação imposta pelo órgão máximo do Poder Judiciário brasileiro, antes de o beneficiário ser considerado culpado. Na decisão o STF firmou o seu entendimento sobre outros limites que devem ser considerados quando da edição de Decretos de indultos (coletivo ou individual), mas outras restrições também foram apontadas pelos seus ministros. Macula o Decreto, além da concessão para quem cometeu crimes hediondos e assemelhados, o desvio de finalidade, sendo certo que os princípios que regem a administração pública (art. 37, CF/1988), não podem ser vulnerados, mormente os da moralidade e da impessoalidade. Lado outro, a concessão de um perdão para quem atacou a Suprema Corte e até ameaçou os ministros da Casa, publicamente, sem dúvidas, também proporcionou um grave estímulo para a realização de um golpe de Estado, que por pouco não foi concretizado em 8 (oito) de janeiro passado.

Por fim, a edição do Decreto da Graça, beneficiando o ex-deputado Daniel Silveira, não demonstrou em seu teor nenhum espírito humanitário, um dos elementos básicos para a concessão do perdão, mas, tão somente, deixou claro um eco de vingança e de desprezo às decisões da nossa Suprema Corte.

Adeildo Nunes, juiz de Direito aposentado, professor, mestre e doutor em Direito de Execução Penal, advogado criminalista e sócio do escritório Nunes & Rêgo Barros - Advogados Associados

 

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