Se a comunicação global evoluiu do telegrama para o e-mail para os aplicativos de conversação instantânea, e o mundo não acabou, com a prestação dos serviços jurídicos não podia ser diferente. Tudo avança.
É perda de saliva ser contra a tecnologia, mas também importa entender que a tecnologia não pode substituir o homem em qualquer cenário, invertendo os papéis para que este se torne seu coadjutor. Não no Direito, por exemplo.
Recentemente, a Comissão de Tecnologia da Informação e Inovação do CNJ vem elaborando um parecer sobre proibir ou não os magistrados brasileiros de utilizarem a tecnologia “ChatGPT” (operada pela empresa “Open AI”) para a fundamentação de decisões.
O “ChatGPT” adota técnicas avançadas de aprendizado supervisionado, conhecido como aprendizado profundo por transferência (“transfer learning”), com bilhões de parâmetros. O assistente virtual é pré-treinado para que consiga compreender a linguagem natural com alto desempenho e gerar textos, realizar traduções, responder a perguntas etc.
O tema foi provocado ao CNJ por um advogado multadopelo Tribunal Superior Eleitoral por litigância de má-fé por fazer uso do “ChatGPT” para peticionar.
Sem dúvida, o emprego de novas tecnologias de automação, a “inteligência artificial”, tem dado o que falar, e não de hoje. Regulamentar o assunto nunca foi tão urgente.
A automação é aplicada na gestão de demandas repetitivas por diversos Tribunais nossos. O STJ usa o sistema Athos para a triagem de casos com potencial resolutivo através de precedentes qualificados. O STF possui o sistema Victor para análise de admissibilidade recursal. No TST, o sistema Bem-te-Vi permite o reconhecimento automático de intempestividade via IA.
Vale frisar que, por meio da Resolução332/2020, o CNJ já exige que os órgãos judiciais informem antecipadamente sobre qualquer pesquisa ou uso de tecnologias e/ou ferramentas que utilizem inteligência artificial. Será, porém, o bastante?
Estamos diante de um debate global. Nos EUA, uma das polêmicas nesse sentido consiste em saber a quem responsabilizar civilmente se um chatbot de inteligência artificial produzir um texto sobre alguém contendo informações convincentes, atribuídas a fontes confiáveis, porém, inteiramente falsas e difamatórias.
Por aqui, o Desembargador do TJPE Demócrito Reinaldo Filho, em artigo para o Conjur (03/04/2023), adverte em boa hora e no tom adequado: “Os riscos associados com a proliferação de modelos de inteligência artificial de uso geral (general purpose AI) despertam a necessidade de haver um maior controle sobre sua utilização. A questão é como se estabelecer esse controle”.
E prossegue: “O ChatGPT e os grandes modelos de linguagem em geral, já que são treinados e coletam grandes quantidades de informações disponíveis livremente nas redes telemáticas, também levantam preocupações com aspectos ligados à privacidade e à proteção de dados pessoais. Mencionem-se ainda os acidentes de segurança que podem ocorrer, expondo dados pessoais de usuários. Além disso, como o programa é capaz de escrever códigos de programa para computador, teme-se que possa ser utilizado para elaboração de códigos maliciosos (malwares) e como ferramenta para ataques cibernéticos”.
Comungo dessa conclusão: a meu ver, embora não se possa adjetivarum sistema generativo como o ChatGPT como sendo de “alto risco” para a saúde e a segurança das pessoas, regulamentá-lo de modo específico é inadiável, mormente para o resguardo de direitos fundamentais.
Portanto, trata-se de ponderar e harmonizar valores: em um dos pratos da balança, o fato de que no Judiciário muitas são as atividades burocráticas e repetitivas, além de dispendiosas; no outro, a insubstituibilidade do olhar crítico humano nesta que é uma ciência que não segue fórmulas matemáticas, pois não sempre admite uma única resposta positiva ou negativa, mas diferentes interpretações.
É preciso encarar o novo (já não tão novo) de frente, sem medos ou tabus. Abster-se do debate não o eliminará. O esqueleto continuará no armário. Que venha a tecnologia a auxiliar o Direito. O futuro é um ser cooperativo. Revolução se faz assim. Não de outro modo.
Gustavo Henrique de Brito Alves Freire, advogado