Inteligência Artificial

A tecnologia e os serviços jurídicos: o ChatGPT e suas questões

É perda de saliva ser contra a tecnologia, mas também importa entender que a tecnologia não pode substituir o homem em qualquer cenário, invertendo os papéis para que este se torne seu coadjutor

Gustavo Henrique de Brito Alves Freire
Cadastrado por
Gustavo Henrique de Brito Alves Freire
Publicado em 14/05/2023 às 23:51
Marcello Casal JrAgência Brasil
Recentemente, a Comissão de Tecnologia da Informação e Inovação do CNJ vem elaborando um parecer sobre proibir ou não os magistrados brasileiros de utilizarem a tecnologia "ChatGPT" (operada pela empresa "Open AI") para a fundamentação de decisões - FOTO: Marcello Casal JrAgência Brasil

Se a comunicação global evoluiu do telegrama para o e-mail para os aplicativos de conversação instantânea, e o mundo não acabou, com a prestação dos serviços jurídicos não podia ser diferente. Tudo avança.

É perda de saliva ser contra a tecnologia, mas também importa entender que a tecnologia não pode substituir o homem em qualquer cenário, invertendo os papéis para que este se torne seu coadjutor. Não no Direito, por exemplo.

Recentemente, a Comissão de Tecnologia da Informação e Inovação do CNJ vem elaborando um parecer sobre proibir ou não os magistrados brasileiros de utilizarem a tecnologia “ChatGPT” (operada pela empresa “Open AI”) para a fundamentação de decisões.

O “ChatGPT” adota técnicas avançadas de aprendizado supervisionado, conhecido como aprendizado profundo por transferência (“transfer learning”), com bilhões de parâmetros. O assistente virtual é pré-treinado para que consiga compreender a linguagem natural com alto desempenho e gerar textos, realizar traduções, responder a perguntas etc.

O tema foi provocado ao CNJ por um advogado multadopelo Tribunal Superior Eleitoral por litigância de má-fé por fazer uso do “ChatGPT” para peticionar.

Sem dúvida, o emprego de novas tecnologias de automação, a “inteligência artificial”, tem dado o que falar, e não de hoje. Regulamentar o assunto nunca foi tão urgente.

A automação é aplicada na gestão de demandas repetitivas por diversos Tribunais nossos. O STJ usa o sistema Athos para a triagem de casos com potencial resolutivo através de precedentes qualificados. O STF possui o sistema Victor para análise de admissibilidade recursal. No TST, o sistema Bem-te-Vi permite o reconhecimento automático de intempestividade via IA.

Vale frisar que, por meio da Resolução332/2020, o CNJ já exige que os órgãos judiciais informem antecipadamente sobre qualquer pesquisa ou uso de tecnologias e/ou ferramentas que utilizem inteligência artificial. Será, porém, o bastante?

Estamos diante de um debate global. Nos EUA, uma das polêmicas nesse sentido consiste em saber a quem responsabilizar civilmente se um chatbot de inteligência artificial produzir um texto sobre alguém contendo informações convincentes, atribuídas a fontes confiáveis, porém, inteiramente falsas e difamatórias.

Por aqui, o Desembargador do TJPE Demócrito Reinaldo Filho, em artigo para o Conjur (03/04/2023), adverte em boa hora e no tom adequado: “Os riscos associados com a proliferação de modelos de inteligência artificial de uso geral (general purpose AI) despertam a necessidade de haver um maior controle sobre sua utilização. A questão é como se estabelecer esse controle”.

E prossegue: “O ChatGPT e os grandes modelos de linguagem em geral, já que são treinados e coletam grandes quantidades de informações disponíveis livremente nas redes telemáticas, também levantam preocupações com aspectos ligados à privacidade e à proteção de dados pessoais. Mencionem-se ainda os acidentes de segurança que podem ocorrer, expondo dados pessoais de usuários. Além disso, como o programa é capaz de escrever códigos de programa para computador, teme-se que possa ser utilizado para elaboração de códigos maliciosos (malwares) e como ferramenta para ataques cibernéticos”.

Comungo dessa conclusão: a meu ver, embora não se possa adjetivarum sistema generativo como o ChatGPT como sendo de “alto risco” para a saúde e a segurança das pessoas, regulamentá-lo de modo específico é inadiável, mormente para o resguardo de direitos fundamentais.

Portanto, trata-se de ponderar e harmonizar valores: em um dos pratos da balança, o fato de que no Judiciário muitas são as atividades burocráticas e repetitivas, além de dispendiosas; no outro, a insubstituibilidade do olhar crítico humano nesta que é uma ciência que não segue fórmulas matemáticas, pois não sempre admite uma única resposta positiva ou negativa, mas diferentes interpretações.

É preciso encarar o novo (já não tão novo) de frente, sem medos ou tabus. Abster-se do debate não o eliminará. O esqueleto continuará no armário. Que venha a tecnologia a auxiliar o Direito. O futuro é um ser cooperativo. Revolução se faz assim. Não de outro modo.

Gustavo Henrique de Brito Alves Freire, advogado

Edição do Jornal

img-1 img-2

Confira a Edição completa do Jornal de hoje em apenas um clique

Últimas notícias