OPINIÃO

O fusquinha de Lula e a economia verde

Para um país que tem tudo para ser o modelo de desenvolvimento sustentável, os interesses políticos imediatos do presidente Lula podem estar levando o Brasil na contramão da história.

SÉRGIO C. BUARQUE
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SÉRGIO C. BUARQUE
Publicado em 24/05/2023 às 0:00 | Atualizado em 24/05/2023 às 10:29
THIAGO LUCAS/ DESIGN SJCC
O fusquinha de Lula e a economia verde - FOTO: THIAGO LUCAS/ DESIGN SJCC

Em alguns documentos e declarações, o governo do presidente Lula da Silva propõe a transição do Brasil para uma economia de baixo carbono, que combina a conversação da floresta tropical da Amazônia, a ampliação da energia limpa e a inovação tecnológica na indústria. E, com efeito, o Brasil reúne condições ambientais que o credencia a ser um modelo mundial de desenvolvimento sustentável. Entre as palavras e os gestos abre-se, contudo, um enorme fosso. O esforço do governo para a redução dos preços dos combustíveis fósseis, empurrando a Petrobrás a desvincular as suas tarifas da flutuação internacional da cotação do petróleo, pode até ajudar a conter a inflação, mas constitui um estímulo ao aumento do consumo de gasolina e diesel, com a emissão adicional de gases de efeito estufa. Na direção oposta da propagada de economia de baixo carbono.

Além disso, o presidente Lula está negociando com as montadoras de automóvel o lançamento de um carro popular, repetindo a iniciativa fracassada e ridicularizada do fusca de Itamar Franco, em 1993. O fusquinha de Lula deve ser vendido por pouco mais da metade dos 80 mil reais que custa, atualmente, o carro mais barato, mesmo assim, accessíveis apenas a uma parcela pequena da classe média. Para isso, além de redução de impostos federais, como o IPI, o governo federal pretende que os governos estaduais também contribuam com alguma renúncia fiscal do ICMS. O que é, no mínimo, muito estranho quando o mesmo governo está apresentando ao Congresso um projeto de reforma tributária que acaba com os dois tributos que vão compor o chamado Imposto de Valor Agregado; e que vai na direção oposta ao esforço do Ministro da Fazenda para a elevação da receita necessária para viabilizar aumento de gastos nos limites do novo Marco Fiscal.

Jogar mais carros nas ruas com gasolina barata é o oposto da prometida economia de baixo carbono, desmoralizando o discurso do Brasil nos fóruns internacionais sobre mudanças climáticas. Além disso, deve abarrotar as cidades de veículos particulares, prejudicando a mobilidade urbana, todo o contrário da promoção do transporte público de qualidade que, este sim, beneficia a população pobre. Por enquanto, a estratégia de reindustrialização do Brasil, proposta pelo governo, se limita a reanimar a indústria automotiva brasileira que vive uma crise conjuntural no meio de exigências estruturais de disputa competitiva. Tudo indica que a política de reindustrialização do governo Lula vai reeditar os velhos modelos de incentivos fiscal e protecionismo diante da concorrência internacional.

A exploração de petróleo das águas profundas da Margem Equatorial (do Amapá ao Rio Grande do Norte) é outro aspecto da contradição com as propostas de transição para uma economia de baixo carbono, que se manifesta, de imediato, num conflito político interno no governo. O IBAMA negou autorização para a Petrobrás realizar perfurações de poços em águas profundas da Margem Equatorial; em águas rasas, a Petrobrás já fez várias perfurações sem descoberta de potencial viável e com alguns acidentes mecânicos, segundo Gabriela Ruddy (www.epbr.com.br). A Petrobrás considera as reservas de petróleo da Margem Equatorial um novo Pre-sal, mas o IBAMA entende que a região, especialmente, o entorno da Foz do Rio Amazonas, é um ecossistema altamente sensível, de modo que sua exploração poderia ter um grande impacto ambiental. A ministra Marina Silva apoia a decisão técnica do IBAMA, a Petrobrás apelou e o Ministro de Minas e Energias protestou e sugeriu que a corporação não retirasse as sondas, enquanto espera uma decisão do presidente Lula. Do ponto de vista estritamente econômico, as reservas de petróleo e gás natural da Margem Equatorial são um grande potencial que mobiliza volumosos investimentos e amplia a produção brasileira de combustível fóssil. Entretanto, além dos impactos ambientais, mais graves na Margem Equatorial, segundo o IBAMA, o investimento na exploração de petróleo representa uma opção pela velha economia baseada na energia fóssil.

Alguns analistas comparam o conflito político no governo entre o IBAMA e Petrobrás, que se manifesta na disputa entre a Ministra do Meio Ambiente e o Ministro de Minas e Energia, com a controvérsia em torno da construção da hidrelétrica de Belo Monte que levou à demissão de Marina Silva do Ministério do Meio Ambiente de Lula em 2008. Uma eventual saída de Marina do governo, por conta da exploração de petróleo na Margem Equatorial, terá um impacto internacional muito negativo, maior do que o anterior porque, embora envolva também a Amazônia, agora se trata de exploração de petróleo, o grande vilão da crise ambiental global. No caso de Belo Monte a preocupação era com os impactos da construção da barragem, na medida em que a hidrelétrica gera energia limpa e renovável, muito diferente da exploração petrolífera, cujo produto será uma fonte fóssil, não renovável e geradora de gases de efeito estufa.

Para um país que pretende liderar o debate mundial sobre mudanças climáticas e servir de modelo para a transição na direção de uma economia de baixo carbono, o governo Lula parece carregado de contradições que comprometem a imagem internacional. Para um país que tem tudo para ser o modelo de desenvolvimento sustentável, os interesses políticos imediatos do presidente Lula podem estar levando o Brasil na contramão da história.

Sérgio C. Buarque, economista

 

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