Escravidão no Brasil: reflexões de uma abolição inacabada

Que possamos valorizar e respeitar a cultura, religiosidade e a existência do povo negro para vivermos, de fato, em uma democracia racial
MANOELA ALVES
Publicado em 13/05/2023 às 0:00
Tráfico de escravos aumentou com a Independência Foto: Marc Ferrez/Reprodução


13 de maio não é dia de negro. Essa máxima se refere ao fato de que não há um reconhecimento, pela população negra, deste dia, como marco de libertação de negras e negros no país.

Estratégia de poder e manutenção de discurso de dominação foi fechar um processo tão desumano como o período escravocrata alçando a princesa Isabel ao posto de "Branca Salvadora" e tirando o protagonismo da luta e resistência do povo negro com a ideia de que restou uma dívida histórica pela qual nossa população deve ser grata para sempre.

A verdade é outra e precisa ser desmistificada porque precisamos de um olhar crítico para nossa História, especialmente visando não repetir os erros do passado. A população negra escravizada sempre foi resistente, se insurgia todo tempo contra a objetificação de seus corpos, falta de acesso a direitos e ainda era revoltada com o alto grau de violência a que era submetida.

Quando a Lei Áurea foi assinada, o sistema escravocrata do Brasil já não se sustentava mais por uma série de motivos: todos os países da América já tinham acabado a escravidão; a Lei Eusébio de Queiroz que proibia navios negreiros de entrar no Brasil teve um efeito bastante positivo; a pressão da Inglaterra era enorme porque o compromisso do Brasil de acabar com a escravidão se estendia há décadas sem cumprimento; a população negra já executava projetos de fugas coletivas e individuais, promovia revoltas com mortes de seus escravizadores e construía quilombos com estrutura de resistência; e a população em geral já não admitia essa desigualdade e se mobilizava com conferências e eventos com temática abolicionista, pressão da imprensa com textos de resistência, atuação de advogados e muito engajamento popular para efetivar o processo da abolição.

Vale lembrar que após a assinatura da Lei Áurea, não houve qualquer lei ou ação governamental no sentido de garantir acesso a direitos fundamentais como habitação, saúde, educação, acesso a emprego e outras formas de inclusão social.

Pelo contrário: o sistema foi criminalizador das pessoas negras, excludente em todos os espaços, e ainda tentou adotar política de branqueamento para acabar com a raça.

A sociedade se estrutura na premissa de que existe uma inferioridade das pessoas negras e é assim que se molda a história do racismo estrutural entranhado no sistema até hoje. Somos 54% da população brasileira, porém representamos uma maioria minorizada em direitos e oportunidades. Para evidenciar que a vulnerabilidade da população negra se encontra presente até os dias atuais, basta olharmos alguns números.

Segundo o Ministério da Saúde, atualmente, 80% da população que só tem o SUS como plano de saúde é negra. No mercado de trabalho, o cenário também é desafiador, segundo uma pesquisa do Banco Mundial: Cerca de 60% das pessoas em trabalho informal no Brasil, são negras. Essa parcela da população ocupa apenas 6,3% dos cargos gerenciais e menos de 5% das posições executivas. Quase metade das mulheres negras são inativas.

Ainda sobre dados, uma leitura crítica nos mostra contradições orquestradas do sistema: enquanto somos maioria entre as pessoas que a polícia mais mata, no resultado do mapeamento da população carcerária, nos índices mais baixos de grau de escolaridade e temos mulheres negras sendo maiores vítimas de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos espaços de poder, a nossa maioria populacional não se encontra refletida: O Judiciário aponta apenas 21% de magistradas negras e negros, nunca tendo, uma mulher negra, conseguido chegar a suprema corte, só 22% das pessoas integrantes do Ministério Público se reconhecem como negras e no Parlamento Brasileiro as pessoas negras representam 25% do Senado e 26% da Câmara.

O racismo estrutural seria uma condição que vem sendo desconstruída paulatinamente ao longo dos anos ou um projeto de dominação que vem sendo mantido por um pacto narcísico e muito bem sucedido da branquitude?

13 de maio é dia de reflexão. Dia de reconhecimento de que a condição de pessoas negras nesse país ainda é de vulnerabilidade e transformação dessa realidade de desigualdade que só será efetiva se este enfrentamento ao racismo for um pacto social de todas as pessoas e organizações.

E se não é dia de negro, com certeza, 13 de maio é dia das(os) pretas(os) velhas(os) na umbanda, ressignificando a data. Essas entidades espirituais representam nossa ancestralidade e são espíritos de nossos antepassados com sabedoria para orientar e cuidar de nossos caminhos.

Que possamos valorizar e respeitar a cultura, religiosidade e a existência do povo negro para vivermos, de fato, em uma democracia racial.

Manoela Alves, diretora do Instituto Enegrecer e da OAB/PE

 

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