OPINIÃO

A medicina das redes sociais

Mesmo estando em minoria, respeitando os limites das evidências científicas, o médico pode fazer prevalecer os resultados dos estudos clínicos e não as mistificações, o empirismo, a divulgação maciça de tratamentos ineficientes, retrógrados e danosos que além do mal que podem causar, privam a sociedade dos inegáveis avanços da ciência médica.

SÉRGIO GONDIM
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SÉRGIO GONDIM
Publicado em 10/06/2023 às 0:00 | Atualizado em 10/06/2023 às 7:43
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Usuários do Twitter contarão com grandes mudanças na rede social - FOTO: Freepik

Um número crescente de pessoas tem comentado que sua prescrição médica está em desacordo com as informações que recebem nas redes sociais. Muitos se sentem compelidos a abandonar tratamentos, outros a introduzir os milagres que chegam de várias fontes, conferindo-lhes credibilidade. É um fenômeno semelhante ao que se observa com notícias políticas que, apesar de grosseiramente falsas, convencem milhões de seguidores.

O poder das redes impressiona. Extrapolam recomendações mais restritas para o uso de ácido acetilsalicílico na prevenção primária de trombose coronariana, fazendo confusão com a prevenção secundária e levando os portadores de stents coronarianos a suspender o medicamento, se expondo à elevada probabilidade de oclusão das artérias doentes. Pacientes em alto risco para trombose relacionada à hipercolesterolemia, também tem sua proteção reduzida pela suspensão do tratamento estimulada de forma indiscriminada nas redes, sem considerar o benefício documentado para determinados pacientes. Até o tratamento da conhecida hipertensão arterial tem sido atacado em favor de fórmulas que "restabelecem o equilíbrio". As doenças da tireoide tem sido alvo do que seriam novos conceitos e formulações, inexistentes no mundo real sério. Outra classe muito bombardeada é a dos antiácidos, resultando em comprometimento da qualidade e mesmo da quantidade de vida de muitos que precisam deles. O uso de hormônios, particularmente os glicocorticoides e testosterona, é banalizado, talvez pelo bem-estar que geralmente provocam de imediato, esquecendo os efeitos colaterais e fugindo das indicações reais.

São muitos os atentados contra a saúde veiculados pelas redes sociais.

A ousadia é tanta que chegam a indicar tratamentos, ditos naturais, para doenças graves e tratáveis pela medicina, através de produtos de venda livre na internet, mesmo sendo classificados pela ANVISA como "busca e apreensão em todo território nacional", por falta de registro e fabricação em "local incerto e não sabido". Tais prescrições, sem qualquer evidência de eficácia e segurança, podem acabar chegando ao receituário médico envolvido pela mesma onda, ganhando legitimidade embasada pela disseminação maciça como se fossem verdades científicas, sendo falsas.

As pessoas são livres para as escolhas, mas os médicos não. Suas prescrições têm margens de erro e insucesso, envolvem uma dose de arte ao definir o que parece mais adequado para o paciente levando em consideração o julgamento e a experiência clínica, mas obedece a critérios rígidos. São protocolos discutidos em convenções e congressos, debates em ambiente acadêmico, estudos multicêntricos envolvendo várias universidades tendo como resultado a verdade científica possível a cada momento. Bom seria que as pesquisas para o desenvolvimento de novos medicamentos estivessem sob a batuta das universidades e só a posterior produção e distribuição, aos cuidados da indústria. Não é mais assim, gerando embate entre o poder do negócio e a comprovação de eficácia dos tratamentos.

Mesmo estando em minoria, respeitando os limites das evidências científicas, o médico pode fazer prevalecer os resultados dos estudos clínicos e não as mistificações, o empirismo, a divulgação maciça de tratamentos ineficientes, retrógrados e danosos que além do mal que podem causar, privam a sociedade dos inegáveis avanços da ciência médica.

Sérgio Gondim, médico

 

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