OPINIÃO

A sociedade em rede e a política

No Brasil, decorridos 10 anos dos movimentos de junho de 2013, em ambiente propício para enviar mensagens fortes, verdadeiras, o clamor das ruas não foi ouvido pelas instituições, lideranças e, assim, seguimos feridos com as veias abertas da radicalização.

GUSTAVO KRAUSE
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Publicado em 11/06/2023 às 0:00 | Atualizado em 13/06/2023 às 14:23
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"A rigor, a autonomia individual e a liberdade de expressão sofrem a permanente ameaça da opressão e da falsificação da realidade" - FOTO: Pixabay

Em 1999, Manuel Castells, publicou uma robusta trilogia - A era da informação: economia, sociedade e cultura, complementados pelo Fim do milênio e pelo Poder da identidade (Ed. Paz e Terra. São Paulo).

A partir de então, acompanhou, com admirável dedicação, a natureza e os impactos produzidos pela revolução tecnológica da informática sobre as várias dimensões da vida social. Dispensou o olhar pretensioso do preditor e, até mesmo, a sólida percepção do cientista social. As mudanças eram vertiginosas, profundas e de consequências imprevisíveis.

No prefácio do excelente, Redes de indignação e esperança, publicado em 2013, há exatos 10 anos das "Jornadas de Junho" - os movimentos sociais na era da internet ocorridos no Brasil em mais de 500 cidades - Castells que pesquisou e analisou o começo de tudo na Islândia, janeiro de 2009, a revolução egípcia, as insurreições árabes, indignados na Espanha, do Occupy Wall Street, eventos posteriores incluídos na 2ª edição (Brasil, Turquia), começa com um modesto diagnóstico: "Ninguém esperava".

Prossegue numa sucinta descrição do ambiente: "Num mundo turvado por aflição econômica, cinismo político, vazio cultural e desesperança, aquilo apenas aconteceu". Porém, o mundo, jamais, seria o mesmo.

Neste sentido, é fundamental, a despeito das peculiaridades históricas das insurgências globais, observar elementos convergentes das erupções: (I) integração do espaço cibernético ao espaço real o que cria o espaço público e torna visível o movimento nas ruas, praças e acampamentos); (II) a emoção coletiva que gera raiva, induz ao enfretamento mas, ao mesmo tempo, acende a emoção positiva da esperança (III) os movimentos são locais com repercussão global; (IV) os movimentos não têm líderes, são guiados pela não-violência e por uma pauta de problemas negligenciados pelo poder público; (V) os movimentos, sem perder a visão prática, valorizam fortemente e elevação da consciência cidadã e a ampliação das possibilidades de deliberação participativa.

Sobre a política na sua versão tradicional de democracia representativa, a sociedade em rede causa um enorme impacto, digital, algorítmico e, ao enfatizar a crise de representação, defende uma interação positiva capaz de ampliar os canais de participação política e limitar a influência dos lobbies e grupos de pressão sobre os processos decisórios.

Por sua vez, a conectividade entre as pessoas e o empoderamento do cidadão que com um clique, espécie de editor invisível, podem e vêm sendo explorados por um modus operandi do algoritmo que identifica e explora tendências emotivas associadas aos afetos de raiva e indignação.

Se na origem, as redes digitais foram decisivas para confrontar, derrubar ditaduras e, até mesmo, apontar questões éticas, ineficiência das governanças, e ressaltar a necessidade de estabelecer laços de confiança entre governantes e governados, seu modus operandi do algoritmo no mundo político fez crescer a extrema direita e o risco de captura do poder por populismos autoritários, messiânicos, independentes de rótulos ideológicos.

A propósito, este modus operandi do algoritmo no mundo político foi introduzido por Steve Bannon, em experiências bem-sucedidas, o que lhe conferiu a notoriedade de uma espécie de oráculo de fascistoides, apesar de alguns episódios humilhantes.

A "Máquina do caos", obra de fôlego do Max Fisher, repórter do New York Times, narra com propriedade e clareza, como são produzidas as "mentes gerenciadas" pelas plataformas manipuladas por falanges antidemocráticas. A rigor, a autonomia individual e a liberdade de expressão sofrem a permanente ameaça da opressão e da falsificação da realidade.

No Brasil, decorridos 10 anos dos movimentos de junho de 2013, em ambiente propício para enviar mensagens fortes, verdadeiras, o clamor das ruas não foi ouvido pelas instituições, lideranças e, assim, seguimos feridos com as veias abertas da radicalização.

Gustavo Krause, ex-governador de Pernambuco

 

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