OPINIÃO

O casamento homoafetivo "não tira pedaço de ninguém"

O valor simbólico do casamento entre iguais permanecerá "ad aeternum" como via paradigmática de constituição histórico-cultural da família e educação da prole. É o que nos assevera um olhar inflexível nas civilizações que nos precederam.

DAYSE DE VASCONCELOS MAYER
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DAYSE DE VASCONCELOS MAYER
Publicado em 18/06/2023 às 0:00 | Atualizado em 18/06/2023 às 19:09
ALEXANDRE GONDIM/JC IMAGEM
O valor simbólico do casamento entre iguais permanecerá "ad aeternum" como via paradigmática de constituição histórico-cultural da família - FOTO: ALEXANDRE GONDIM/JC IMAGEM

As pessoas do mesmo sexo estão desejosas de casar civilmente? A pergunta é feita por muitos. Por essa e outras razões, a senadora Martha Suplicy (MDB) apresentou projeto sobre o casamento civil homoafetivo, deixando assente que essa modalidade de união "não tira pedaço de ninguém".

Assim como o tema racismo, a questão vem enfrentando prós e contras. Grosso modo, as discussões são blindadas pelo "lugar da fala", expressão que se popularizou no Brasil com a publicação da obra, com igual nome, de Djamila Ribeiro. A autora questiona quem tem o direito à voz numa sociedade branca, machista e heterossexual. Acolhe a ideia de que apenas aqueles que vivenciam situações iguais podem tecer considerações sobre a matéria. Todavia, essa posição colide com o conceito de democracia onde não há espaço para assuntos privilegiados ou protegidos. Tudo é dizível, desde que tratado com dignidade e decoro.

O Senado ainda não votou a matéria. Permanece silencioso, embora disponha de excelentes registros sobre o assunto: " Em 2011, o Supremo Tribunal Federal reconheceu por unanimidade a união estável entre casais do mesmo sexo como entidade familiar. Foram concedidos aos homossexuais os mesmos direitos previstos na Lei de União Estável, que julga como entidade familiar "a convivência duradoura, pública e contínua". Em 2013, uma resolução publicada pelo Conselho Nacional de Justiça garantiu o casamento homoafetivo no país, determinando que tabeliães e juízes são proibidos de se recusar a registrar o casamento civil e a conversão de união estável em civil entre homossexuais". Mas o Código Civil permaneceu sem alterações, embora a legalidade do casamento homoafetivo tenha sido declarada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 17 de maio de 2022, quando foi alterado o entendimento de que a família só é formada por uma mulher e um homem.

Divergindo daqueles que seguem, com rigor, os ditames da Igreja, Martha assegura que os homossexuais não têm nenhum interesse no casamento religioso. Mesmo com tal reparo, a polêmica sobre o assunto não cessa. Os que seguem posições antagônicas ao projeto de Martha acreditam que a alteração na lei substantiva deslustra os princípios da igualdade e autonomia de opção. Apontam como exemplo a proibição no Brasil de casamentos poliândricos. Também asseguram que a liberdade só deve ocorrer entre iguais e não entre desiguais e que autonomia não possui o significado de arbítrio e soberania. A última permitiria seguir, unilateralmente, vontades sem atenção aos interesses de terceiros. Aqueles que aplaudem a iniciativa garantem que a homossexualidade existiu em todas as sociedades. Basta a leitura dos Diálogos de Platão revelando as práticas com os efebos, rotuladas como "o amor dos jovens". Silenciam, contudo, acerca dos habitantes das montanhas da Nova Guiné onde os homens conviviam em cavernas e dormiam abraçados para se resguardarem do frio, sem registro de homossexualidade nesse grupo.

Favoráveis e desfavoráveis talvez se avizinhem na ideia de que a "instituição casamento" - célula-base da sociedade e objeto de particular proteção e conquista civilizacional - detém um sentido próprio, intrínseco e independente da vontade de cada um. Afinal, as instituições são as grandes convicções e entendimentos que balizam a sociedade. Nelas as pessoas se inserem e se amparam. Pensar e agir diferente é um direito de cada um desde que inexista proibição legal. Vale a pena citar o exemplo da cantora Nanda Costa. Em artigo publicado recentemente no Globo, ela afirma que "A gente é educada para ser hétero. E eu fingi ser hétero durante muito tempo".

O Brasil, país do mimetismo cultural e do acolhimento incondicional do novo, logo ingressará no elenco de quase 20 países que adotaram o casamento homoafetivo, caso de Portugal. É de se prever que, aprovada a modificação do Código Civil, sejam erradicadas as diferenças de regime com a inclusão do casamento civil na comunidade LGBTQ. Ter-se-á, nessa hipótese, o abandono do "vale da estranheza". Contudo, o valor simbólico do casamento entre iguais permanecerá "ad aeternum" como via paradigmática de constituição histórico-cultural da família e educação da prole. É o que nos assevera um olhar inflexível nas civilizações que nos precederam.

Dayse de Vasconcelos Mayer, doutora e ex-docente da Faculdade de Direito de Lisboa.

 

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