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Maquiavel é ótima vacina contra maus príncipes

Em qual ombro os príncipes de agora apoiam a cabeça e buscam conselhos para gerir seus feudos?

OTÁVIO SANTANA DO RÊGO BARROS
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OTÁVIO SANTANA DO RÊGO BARROS
Publicado em 23/06/2023 às 13:40
Thiago Lucas/ Design SJCC
Alguns governantes encontraram nas mídias digitais pátios de recreio semelhantes às escolas fundamentais, onde se amostram para conquistar pretendentes - FOTO: Thiago Lucas/ Design SJCC

Em qual ombro os príncipes de agora apoiam a cabeça e buscam conselhos para gerir seus feudos?
Conselhos ao governante é tema que tratou Nicolau Maquiavel em sua obra O PRÍNCIPE considerada das mais importantes para o estudo da liderança e das ciências políticas.

Ofertada por Maquiavel a Lourenço de Médici, o Magnífico, como prova de respeito e submissão àquela autoridade, os textos são ensinamentos do como portar-se o príncipe para conquista e manutenção de seu reino.

Hoje, o escopo do título foi ampliado, de forma a permitir que ele se ajuste aos múltiplos ambientes da política, das empresas, das forças armadas, da sociedade em geral.

Na análise sobre os homens que cercavam o príncipe, Maquiavel admitia que existiam três espécies de cérebros: o primeiro tinha ideias próprias; o segundo não as tinha, mas sabia compreender as de outrem; e o terceiro não tinha próprias nem sabia compreender as alheias.

O primeiro excelente, o segundo bom, o terceiro imprestável.

Sobre esse último tipo, comentava Napoleão que eram os estúpidos e animais, os espíritos rotineiros e acorrentados aos seus métodos.

Segundo o escritor, havia um meio infalível de o príncipe conhecer e valorizar seus ministros. Se esses servidores pensavam mais em si do que no Estado e suas ações buscavam notadamente seu pessoal interesse, deveria o governante olhá-los com desprezo e desconfiança.

Em outro trecho, ensinava ao príncipe evitar os aduladores, pois reconhecia que os homens eram de tal modo influenciáveis e acessíveis à lisonja que facilmente se deixavam enganar por elogios mesmo aqueles que sabia não lhe vestir.

E como antídoto, prescrevia que o príncipe deveria estimular sinceridade aos homens que o rodeavam – atitude hoje identificada no conceito da discordância leal -, ofendendo-se caso não ouvisse a verdade.

Sobre essa discordância, embora Napoleão se somasse a Maquiavel quanto à importância de promovê-la, o general francês não tinha convicção que os subordinados teriam coragem de sustentá-la.

Como a corroborar a dúvida do lendário corso, Maquiavel defendia que ao príncipe não se lhe devia oferecer conselhos se não vos fosse solicitado, pois bons conselhos nasciam da sabedoria do príncipe, e não que a sabedoria do príncipe nascia dos bons conselhos.

Parece-me evidente que Maquiavel também sofria de alguma sabujice e talvez de certa petulância. Mas eram outros tempos.

Hoje, quando observamos o exercício da liderança, em particular no ambiente da política, facilmente se percebe a falta de príncipes que transformem em ações promissoras os ensinamentos de Maquiavel. E maquiavéis que ajudem seus príncipes com bons conselhos.

Giuliano Da Empoli afirma em seu mais recente livro O MAGO DO KREMLIN que poucos príncipes são capazes de pensar sem corrimão.

Apresentam-se como uma figura mitológica, embora sua divindade seja construída na terra dos mortais.

Pretensiosos, se deixam aplaudir efusivamente por desatentos desinteressando em exercer plenamente a sua ação política.

Assevera Da Empoli que alguns governantes são como adolescentes que não podem ficar sozinhos, estando sempre a procurar e a provocar um olhar sobre eles.

Encontraram nas mídias digitais pátios de recreio semelhantes às escolas fundamentais, onde se amostram para conquistar pretendentes, esperando estímulos do grupo a que pertencem.

Fica a impressão de que se fossem obrigados a passar um dia encerrados em um quarto, sem companhia e sem celular, suas convicções se dissolveriam como bolhas de sabão sopradas ao vento.

A sociedade, por sua vez, é pouco estimulada a reagir. Espera por seus príncipes, incapazes ou inapetentes, que não se apresentam responsavelmente para governá-la.

O resultado desses comportamentos torna-nos, o governante e a sociedade, reféns de grupos, eminências pardas, algoritmos traiçoeiros, engenheiros do caos e até da Inteligência Artificial. Seriam esses instrumentos e atores os novos conselheiros dos príncipes? Talvez!

O ambiente, o homem, os conselhos podem ter mudado desde Florença à época do escrito, mas a ânsia por poder certamente que não. É natural do homem.

Maquiavel é boa leitura para compreender esses processos e ótima vacina para proteger-se de maus príncipes.

Otávio Santana do Rêgo Barros, general Divisão da Reserva

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