Ruy Castro, com a argúcia e o refinado senso de humor habituais, em artigo publicado na Folha (Ed. 01/6/23), constatou que uma “sopa de siglas inunda a imprensa. Começou nos anos 50, quando o nome do então presidente Juscelino Kubitschek tomava metade da manchete. Comprimiram-no para JK e todo mundo aderiu”.
Por economia de espaço editorial e no mundo da novilíngua digital mais que siglas foi criado o idioma das redes e, dinossauros como eu, tenho que cursar o novo MOBRAL (Movimento Brasileiro de Alfabetização).
Pois bem, na noite de 14 de junho, o país inteiro (exceto os especialistas) passou a conhecer o significado de mais uma sigla, PEPs (Pessoas Expostas Politicamente). A primeira impresão sobre as mencionadas “pessoas” seria moradores de rua, famintos, desempregados, enfim, os excluídos e discriminados socialmente.
Grande engano e nenhuma invenção para economizar espaço jornalístico: a mencionada sigla se insere na Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (ENCLA) que estabeleceu a classificação de uma Pessoa Politicamente Exposta (PEP) e o monitoramento especial das suas movimentações financeiras e fiscais, com objetivo de prevenir a corrupção e crimes como lavagem de dinheiro.
Outra sigla, o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), define PEPs como pessoas que desempenham ou tenham desempenhado nos últimos cinco anos, cargos, empregos, ou funções públicas relevantes assim como seus parentes de segundo grau.
Cabe registrar que, em 2020, uma circular do BACEN (Banco Central) ampliou a lista das PEPs, incluindo autoridades locais, respectivos familiares até segundo grau e “estreitos colaboradores”.
E o que tem isto a ver com a noite de 14 de junho do corrente mês?
Uma sessão da Câmara aprovou, em regime de urgência, o substitutivo do Deputado Claudio Cajado (PP-BA) ao PL 2720 de iniciativa da Deputada Dani Cunha (União Brasil-RJ), por 252 votos a favor e 163 contrários, que prevê pena de prisão de dois a quatro anos e multa para quem praticar as seguinte ações contra a alguém por causa da condição de “pessoa politicamente exposta” ou de ré em processos sem trânsito em julgado: obstar promoção funcional; negar ou obstar emprego em empresa privada; impedir a ascensão funcional do empregado ou obstar outra forma de benefício profissional; negar a abertura ou manutenção de conta corrente, concessão de crédito ou outro serviço de instituições financeiras.
Independente do mérito, a sessão noturna aprovou um projeto de lei que contempla diretamente o interesse dos parlamentares, em regime de urgência, o que significa ausência de debate, discussão e completo desconhecimento da opinião pública. De outra parte, contraria as normas e o combate internacional aos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro.
Qual a percepção da sociedade sobre o comportamento opaco, furtivo, exatamente oposto ao que se espera de quem exerce um mandato de representação popular?
Objetivamente, o comportamento majoritário dos parlamentares ofende os eleitores, fere a instituição congressual e, o que é mais grave, afeta seriamente a credibilidade da nobre missão política. A receita para evitar constrangimentos públicos é simples: basta que os parlamentares exerçam o mandato, respeitando e cumprindo os deveres funcionais.
Todos os tiranos detestam a Política do fundo do coração porque “A Política representa, quando menos, alguma tolerância para verdades diferentes, algum reconhecimento de que é possível governar, aliás melhor, através do debate entre interesses opostos. A Política são as ações públicas dos homens livres” (Em defesa da política. Bernard Crick. Ed. Universidade de Brasília, 1981.)
A arquitetura democrática da Política dos pesos e contrapesos mantem acesa a esperança no voto do Senado e no veto do Poder Executivo que dará ao projeto o destino merecido: o lixo da História.
Gustavo Krause, ex-governador