Opinião

Dolarização, índice-moeda e o real

Os resultados expressivos do programa de dolarização na Argentina, em 1991, ensejaram opiniões favoráveis à adoção daquela experiência no Brasil

MAURÍCIO COSTA ROMÃO
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MAURÍCIO COSTA ROMÃO
Publicado em 26/06/2023 às 21:41
Foto: Tânia Rêgo/ Agência Brasil
É de justiça homenagear FHC, nos seus 92 anos, e sua equipe de economistas, pela reforma empreendida - FOTO: Foto: Tânia Rêgo/ Agência Brasil

No início dos anos 90 o Brasil vivenciava uma inflação anual de quatro dígitos e vinha de 11 tentativas fracassadas de estabilização baseadas em políticas ortodoxas de administração de demanda ou heterodoxas de congelamento de preços e rendimentos.

Os resultados expressivos do programa de dolarização na Argentina, em 1991, ensejaram opiniões favoráveis à adoção daquela experiência no Brasil. O charme do programa deriva de que todos os processos de hiperinflação no mundo terminaram abruptamente no bojo de acentuado grau de dolarização das economias envolvidas.

De fato, durante a hiperinflação aguda ocorrem duas mudanças espontâneas da sociedade: primeiro, em busca de indexadores que espelhem contemporaneamente a trajetória dos preços, como a variação diária da taxa de câmbio; segundo, em direção ao uso de um padrão monetário forte e estável (dólar, no geral), já que a moeda nacional perde suas propriedades básicas.

A partir de determinado estágio, a sociedade passa a referenciar-se cada vez mais na cotação do dólar no paralelo para determinação de preços e valores internos. Dá-se assim a dolarização da economia. 

A essa altura, como a população utiliza o dólar como unidade de conta, a inflação na moeda interna passa a ser cada vez menos representativa. Fixa-se então a taxa de câmbio entre a moeda doméstica e o dólar. Como os preços internos são reajustados pelas variações da taxa de câmbio, quando esta taxa é congelada os preços param de crescer, cessando a inflação, graças à dolarização.

Esse script enfrentava obstáculos no Brasil, já que a estabilidade de preços pressupunha que a economia estivesse dolarizada, no sentido de indexada ao dólar, e que houvesse reservas para garantir a conversibilidade. O Brasil carecia das duas condições.

Pensou-se então numa variante ao modelo clássico de dolarização: introdução de uma moeda paralela conversível, emitida por um órgão independente, o Conselho da Moeda (Currency Board), que circularia com o Cruzeiro Real (CR) e seria lastreada em reservas.

Sendo a moeda paralela superior ao CR, com o passar do tempo um número cada vez maior de transações e preços seria cotado e liquidado naquela moeda, provocando uma gradual diminuição dos reajustes baseados na inflação passada (a aguardada desindexação começaria a ocorrer).

Noutro dizer, a economia iria aos poucos se “dolarizando” na moeda paralela. Quando a referência ao CR estivesse quase eliminada, fixar-se-ia a taxa de câmbio entre as duas moedas, estabilizando os preços na moeda antiga.

O governo Fernando Henrique Cardoso adotou tais fundamentos, porém em vez de criar uma segunda moeda, instituiu um índice-moeda, a URV, cujo valor seria corrigido diariamente em relação ao CR, refletindo a inflação presente, e estaria atrelado à variação da taxa de câmbio (ao dólar).

É a arte do drible na sua mais expoente manifestação: dolarização induzida, que não é a própria, e moeda paralela, que não é moeda!

A reforma monetária consistiu (a) da instituição de um indexador contemporâneo, a URV, corrigido pela inflação presente, reduzindo a um dia a memória inflacionária, e (b) da transformação da URV, após seu uso generalizado como indexador de contratos, na moeda do país, o Real, que nasceria forte e estável.

Após três meses de URV, o ippon: no dia 1º de julho de 1994, há 29 anos, quando se fixou a taxa de câmbio entre a URV e o Cruzeiro Real em CR$ 2,750,00 = US$ 1,00 = R$ 1,00. A inflação quase zerou, o país retomou o crescimento com grande mobilidade econômica e ascensão da população vulnerável ao mercado de consumo.

Pena que más políticas à época afetaram o dinamismo da economia e impediram que a inclusão social fosse mais duradoura. Todavia, é de justiça homenagear FHC, nos seus 92 anos, e sua equipe de economistas, pela reforma empreendida, exaltada urbi et orbi como uma das mais brilhantes e exitosas do mundo.

Maurício Costa Romão, Ph.D. em economia pela Universidade de Illinois, nos Estados Unidos.

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