OPINIÃO

As constituições brasileiras e o Poder Moderador

As importantes funções das Forças Armadas estão expressamente descritas na Constituição de 1988: defesa da Pátria e a garantia do pleno exercício dos Três Poderes da República. Poder Moderador, no Brasil, por isso, só existiu no período monárquico (1824 a 1891).

Adeildo Nunes
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Adeildo Nunes
Publicado em 29/06/2023 às 0:00 | Atualizado em 29/06/2023 às 10:43
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Justiça - Constituição Federal de 1988 - FOTO: Reprodução

Não há Estado-Soberano sem que ele seja regulado por uma Constituição, ora advinda de uma Assembleia Nacional Constituinte, com a participação popular, ora outorgada individualmente pelo poder absoluto e soberano do seu dirigente, situação que predomina nos regimes ditatoriais, no mais das vezes dirigido por governantes que detém o poder absoluto e inquestionável. São os denominados países autocratas, comumente governados por pessoas não escolhidas pelo voto popular, cujo poder não depende de nenhum outro. Na autocracia, o ditador não divide o seu poder com outros, agindo geralmente de maneira autoritária, mormente com o uso da força, da arbitrariedade e sem nenhum controle interno ou externo.

As Constituições brasileiras sempre surgiram após a constatação de um fato político relevante. A primeira Constituição de 1824 havia de ser aprovada, porque o Brasil independente não mais poderia depender da legislação portuguesa. Com a transformação do Brasil Monárquico em o sistema republicano, os constituintes foram chamados e aprovaram a Carta Constitucional de 1891, que vigorou até 1934, com o surgimento do Estado Novo e a ascensão de Getúlio Vargas ao Poder Executivo, quando uma nova Constituição foi promulgada. Com o golpe militar-civil de Getúlio, em 1936, o ditador outorgou a Constituição de 1937, denominada de polaca, mercê da forte influência do nazifascismo, expressamente vislumbrada em seu texto ditatorial. Finda a Segunda Guerra Mundial (1945), que deixou o rastro desumano com a morte de 6 milhões de indefesos judeus e com o retorno do sistema democrático em grande parte das nações, houve necessidade de aprovar uma nova Constituição, o que efetivamente ocorreu em 1946, cujo texto ainda hoje é elogiado por juristas renomados.

Com o golpe militar de 1964, orquestrado pelos militares, com o apoio de alguns políticos consagrados da época e dos Estados Unidos da América, a democracia brasileira foi rompida tragicamente, praticamente uma cópia das autocracias implantadas na Argentina, Chile, Uruguai, Paraguai e outros países da América Latina. Vitorioso o golpe militar de 1964, os militares outorgaram a Constituição de 1967, que autorizava ao presidente da República a edição de Atos Institucionais em substituição às emendas constitucionais.

Foi a Constituição de 1967 quem autorizou o regime militar a expedir o Ato Institucional nº 5, de 13.12.1968, a mais rígida e abominável conduta legislativa de todos os tempos, quando muitos magistrados e políticos da época foram cassados, sem nenhum direito à defesa. Não bastasse o autoritarismo presente na Constituição de 1967, com o Congresso Nacional fechado, em 17.10.1969 uma Junta Militar que na época governava o país, aprovou a Emenda Constitucional nº 1, aumentando os poderes da ditadura, ceifando o que restava das poucas liberdades individuais que ainda existiam.

Porém, a partir de 1982, insatisfeitos com o autoritarismo decorrente do modelo de governo implantado em 1964, parte da classe política, órgãos de imprensa, entidades governamentais e não governamentais e a própria sociedade, iniciaram um movimento denominado "diretas já", que de logo se espalhou por todo território nacional, resultando na eleição de Tancredo Neves em pleno Colégio Eleitoral, até então o encarregado de escolher indiretamente o presidente da República.

Com a posse de José Sarney na Presidência da República, em 15.03.1985, uma vez eleito vice-presidente, e face à morte de Tancredo, houve a instalação de uma Assembleia Nacional Constituinte, haja vista que o país retornava ao sistema democrático de governo, depois de tanto sofrimento humano vivido de 1964 a 1985, período em que a tortura era praticamente legalizada no país, sem contar os traumas da censura que predominavam sobre os meios de comunicação e o tremendo abalo provocado ao direito de expressão.

Até a promulgação da primeira Constituição Federal brasileira, outorgada por D. Pedro I, em 1824, como se sabe, o Brasil-colônia obedecia às leis vigentes em Portugal (Ordenações Filipinas). Com a independência do Brasil, em 1822, D. Pedro I convocou catedráticos de Direito da tradicional faculdade de Direito de Coimbra visando à elaboração de uma nova Carta Magna, mas, de forma autoritária, o Imperador dissolveu a Assembleia Constituinte e impôs o primeiro Texto Constitucional brasileiro.

A grande inovação contida na Constituição de 1824 foi a introdução do Poder Moderador, que conferia ao Imperador se sobrepor aos demais Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário). De forma geral, cabia ao Poder Moderador equilibrar os demais Poderes, interferindo em cada um de maneira a não se sobrepor à "vontade popular". Seu detentor detinha o poder de nomear ou destituir o chefe do Poder Executivo, dissolver o Congresso Nacional, convocando no mesmo ato novas eleições. E, por fim, competia-lhe nomear os ministros do Supremo Tribunal, indicados em lista pelo Poder Judiciário, em geral dentre magistrados de carreira.

Com relação à Constituição de 1988, nenhum jurista de renome - exceto o professor Ives Gandra Martins - jamais interpretou que as regras do art. 142 da Carta Magna autorizam a existência de um Poder Moderador no Brasil, pelas Forças Armadas, já que a norma constitucional só consagrou a subsistência de Três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), conforme inteiro teor do seu art. 2º. As importantes funções das Forças Armadas estão expressamente descritas na Constituição de 1988: defesa da Pátria e a garantia do pleno exercício dos Três Poderes da República. Poder Moderador, no Brasil, por isso, só existiu no período monárquico (1824 a 1891).

Adeildo Nunes, juiz de Direito aposentado, professor, mestre e doutor em Direito, advogado criminalista, sócio do escritório Nunes & Rêgo Barros - Advogados Associados

 

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