OPINIÃO

O encontro com São João

São João Batista batizou Jesus e anunciou a "boa-nova" da sua vinda. Ao nascer, João foi anunciado pelo sinal da fogueira. Um fogo que não queima. Aquece os esperançosos.

GUSTAVO KRAUSE
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GUSTAVO KRAUSE
Publicado em 02/07/2023 às 0:00 | Atualizado em 02/07/2023 às 10:55
GUGA MATOS/JC IMAGEM
Pode botar guitarra, DJ, gente famosa. Sou muito mais o forró-pé-de-serra no terreiro, sanfona, triângulo e a zabumba - FOTO: GUGA MATOS/JC IMAGEM

O mês de junho tem dois significados para mim: um alegre, a chegada ao mundo (19/06), início de vida onde tudo tem seu tempo; um triste, a perda do meu querido pai (01/06/1971)

De imediato, tranquilizo o leitor com a advertência de Drummond em "A Procura da Poesia": "As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam". Não estou à procura da poesia até porque poeta não sou; pelo mesmo motivo não penetrarei "surdamente no reino das palavras [...] Lá estão os poemas que esperam ser escritos".

A minha simplória escrita revela tão somente meu afetuoso encontro com São João. Não se trata de uma epifania em contexto espiritual ou divino. Terá sido uma aparição como diria dona Rosa, beata e membro da congregação das Filhas de Maria? Foi uma aparição em que o Santo revelou sua ubiquidade no mundo real.

Durante sua longa homenagem, a liturgia brejeira de moças enfeitadas e enjoadas das bonecas, saia rodada, batom encarnado, se encontram na dança franco-brasileira da quadrilha matuta com os jovens "tímidos" de uma saudosa era e, aí, arrastam-pés em direção ao sacramento do matrimônio com um "padre" abusado, mas ajeitando a brabeza do pai da moça louca para se casar. Tudo é beleza e alegria rodopiando no baião, xaxado, coco, xote, forró, em cantorias e versos ingênuos, antecedendo o arrocho na "cintura fina, cintura de pilão". O que não precisa mais é recorrer às simpatias para arrumar namorado.

Que não me venham dizer que a modernidade está descaracterizando os folguedos juninos. Virou eventos. Que os festivais de quadrilhas são luxuosos e que todos os estímulos se dão na direção de um negócio rentável chamado entretenimentos. E daí? É isso mesmo. Diversão, brincadeira, preço, emprego e renda. Tem gosto muito variado. Cada um faz como pode e como ganha. Pode botar guitarra, DJ, gente famosa. Sou muito mais o forró-pé-de-serra no terreiro, sanfona, triângulo e a zabumba com bode assado, canjica, pamonha, pé-de-moleque, milho cozido, milho assado e a cachacinha para alegrar o corpo e animar o espírito.

Balão, não! Bomba, na Ucrânia. Faria bem a todo mundo se, em vez de míssil, encomendassem "peido de veia", traque de massa, "chuveiro", "estrelinha", "busca-pé" fogos de artifício para colorir as estrelas que enfrentam chuva e frio para aumentar o brilho da festa.

É um tempo que dá saudade. Mas me descobri profundamente apegado às tradições festivas, culturais, religiosas. São João Batista batizou Jesus e anunciou a "boa-nova" da sua vinda. Ao nascer, João foi anunciado pelo sinal da fogueira. Um fogo que não queima. Aquece os esperançosos.

Gustavo Krause,  ex-governador de Pernambuco

 

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