OPINIÃO

A Lei de impeachment, o artigo 95 da Constituição e o episódio Barroso

O "episódio Barroso" não o incursiona em crime de responsabilidade. Mas não significa que não mereça críticas. Merece. O Ministro admitiu que errou. Sabe que errou. É importante essa reflexão, centrada no dever da imparcialidade

Gustavo Henrique de Brito Alves Freire
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Gustavo Henrique de Brito Alves Freire
Publicado em 18/07/2023 às 0:00 | Atualizado em 18/07/2023 às 7:48
Wilson Dias/Agência Brasil
Ministro do STF Luís Roberto Barroso participa da abertura do 59º Congresso da UNE - FOTO: Wilson Dias/Agência Brasil

O Judiciário é um Poder que, para atuar, depende de provocação. Não é diferente com o STF. Nos seus onze Ministros repousa uma confiança maior nos vetores da imparcialidade e da independência. Quando se recorta a análise para os "princípios de Bangalore", tem-se no seu item 4.6 a outorga aos juízes, como a qualquer cidadão, da liberdade de expressão. Mas para o magistrado esse direito vem guarnecido do dever de guiar-se de forma a preservar a dignidade do ofício e a independência da Justiça. Essa premissa não se confunde com o dedicar-se a atividade político-partidária, o que inclui fundação de partido político, filiação, pertencimento a órgãos de direção partidária, participação em campanhas, comícios, reuniões, além de disputas de cargos eletivos.

Quando escreveu sobre a Constituição de 1967, Pontes de Miranda assim comentou o seu artigo 114, inciso III: "O juiz, desde que não esteja filiado a partidos, ou não tenha atividade político-partidária, não infringe o princípio". E concluiu: "Essa proibição só se refere à ação direta em favor de um partido e só assim alcança o juiz, por ser de se supor que não terá isenção de ânimo necessário para impedir questões submetidas a seu julgamento, em que estejam envolvidas agremiações partidárias" (Tomo III, RT, 1967, p. 556).

De passagem pela Lei nº 1.079/1950 (ou "Lei do Impeachment"), nela divisa o aplicador da norma, no seu artigo 39, o cabimento da medida drástica diante da circunstância do "exercício de atividade político-partidária". Finalmente, na Constituição vigente (1988), acha-se o conceito de "atividade político-partidária" com a devida precisão em seu artigo 95, parágrafo único, inciso III, na vedação ao juiz de "dedicar-se a atividade político-partidária".

Feito o preâmbulo, alcança-se o episódio do Ministro Roberto Barroso, do STF em evento da UNE no dia 12/7. Segundo a institucionalidade, a fala do Ministro não caracterizou dedicação a atividade político-partidária, mas uma referência ao resultado das urnas da disputa presidencial recente, na perspectiva das ações que desaguaram no 8 de janeiro em Brasília. Tanto não teria existido militância político-partidária que o Ministro telefonou ao Presidente do Congresso (que é da área jurídica também) e admitiu haver cometido ato falho, sem outra conotação.

A fala, com as explicações ulteriores, tipifica crime (funcional) de responsabilidade que resulta no impeachment? Não. E não por que não perpassa "dedicação" a atividade político-partidária. O que a LOMAN (LC nº 35/1979), artigo 36, inciso III, proíbe aos juízes é que se manifestem em meios de comunicação sobre processos pendentes de julgamento, próprios ou alheios, ou promova a apreciação depreciativa sobre entendimentos de órgãos do sistema de Justiça. Não lhe cobra uma mordaça sobre outros temas.

Haveria então uma liberdade absoluta para esse propósito? Também não. E esse não adentra os domínios da Ética. Há uma codificação própria, adotada pelo CNJ, cujo artigo 12 preceitua que, nos meios de comunicação, o magistrado deve atuar com prudência. Mesmo que os Ministros do STF não se subordinem ao controle daquele Conselho, a ideia presente lhes serve como recomendação.

Dedicar-se a atividade político-partidária exige constância e estabilidade, ou seja, "oferta de tempo". Não há base legal, mormente constitucional, para que se obrigue o magistrado ao dever de alienar-se da vida política do País, nem ao de sufocar o exercício pleno da própria cidadania, nem ao de não opinar. O que há é a vedação ao engajamento em militância político-partidária, à luz do standard da imparcialidade.

O "episódio Barroso" não o incursiona em crime de responsabilidade. Mas não significa que não mereça críticas. Merece. O Ministro admitiu que errou. Sabe que errou. É importante essa reflexão, centrada no dever da imparcialidade, por mais pujante a vontade de externalizar sentimentos, inclusive em quadra sensível como a atual, de ataques à democracia e ao próprio Judiciário. Para Aristóteles, a virtude (moral) está na mediedade. O Brasil carece de pacificação. Construção coletiva, portanto. Ou então afundaremos todos.

Gustavo Henrique de Brito Alves Freire, advogado

 

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