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OPINIÃO

Um árbitro escorregadio e parcial

Ninguém mais, ninguém menos que o escritor e imortal Ariano Suassuna, na época apenas uma promessa da dramaturgia brasileira .

ARTHUR CARVALHO
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ARTHUR CARVALHO
Publicado em 19/07/2023 às 0:00 | Atualizado em 19/07/2023 às 9:42
RODRIGO LOBO/ACERVO JC IMAGEM
Ariano Suassuna: excluído do quadro der árbitros da Capunga, "a bem da moral e da disciplina" - FOTO: RODRIGO LOBO/ACERVO JC IMAGEM

Corriam os anos de 1950 - e o aprazível bairro da Capunga, onde o Conde Maurício de Nassau costumava gozar as férias de verão, banhando-se no Rio Capibaribe, de gordas capivaras, sabiás e sanhaçus, berço da primeira cervejaria do Brasil (se for dirigir, não beba), regurgitava com serestas literárias, peladas em terrenos baldios e noitadas no Bar e Mercearia dos Cearenses, hoje Casa dos Frios, na Churrascaria Palhoça do Melo e na Galeteria Alvorada, nos Quatro Cantos e alhures.

Apesar das criminosas derrubadas dos sobrados coloniais, na Rua Jacobina, esquina com a das Pernambucanas, resiste ainda o belo casarão do historiador José Antônio Gonsalves de Mello, vendida a Renato Carneiro Campos e, depois, ao artista plástico João Câmara. Ao seu lado esquerdo, ficava o terreno arborizado do civilista José Paulo Cavalcanti, e, ao lado esquerdo do terreno de José Paulo, o dos Piauhylinos.

Sábado à tarde, travávamos incríveis peladas no sítio de José Paulo. Peladas de coroas, profissionais realizados e respeitáveis pais de família. Mas quando José Paulo, figura humana doce e maravilhosa, entrava em campo, baixava nele o espírito de Guaberinha, jogador do Santa Cruz dos anos 40, conhecido como o "terror dos gramados", maior catimbeiro do futebol pernambucano. E não admitia perder o jogo, como todo dono da bola: "A bola entrou, não entrou! Foi mão, não foi!"

Resolveu-se então encontrar um árbitro de gabarito, probo, digno e honesto, pra botar ordem na casa. E o Conselho Arbitral, formado pelo Senador Antônio Balthar, o tisiologista Francisco Montenegro, catedrático da Faculdade de Medicina da UFPE, e o renomado otorrino Nelson Caldas, o Nelsinho Bacalhau, pai de Titico, todos de reputação ilibada, nomeara árbitro um tal de Ariano Suassuna, promessa da dramaturgia brasileira. Tremendo equívoco.

No intervalo do primeiro tempo da segunda pelada, arbitrada pelo autor do Auto da Compadecida, enquanto os craques barrigudos e grisalhos refrescavam-se com água e picolé, Ariano segredou ao ouvido do saudoso José Pimentel, o eterno Cristo de Jerusalém: "Se tu tirar aquela manga espada (que pendia, tentadora e madura, do galho de uma muda de mangueira) do pé, pra mim, eu marco um pênalti inexistente pra teu time." E assim foi feito, estabelecendo-se o perrengue, com direito a sonoros palavrões dos atletas. E Ariano foi excluído sumariamente do Quadro de Árbitros da Capunga, a bem da moral e da disciplina.

Arthur Carvalho, da Federação Internacional dos Jornalistas

 

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