Os abusos cometidos pelos membros da suprema corte brasileira já ultrapassaram todos os limites do tolerável. O último abuso, foi o discurso ridículo do ministro Luís Roberto Barros em evento da UNE. Na ocasião, essas foram as palavras mais impactantes do ministro e que revela como o principal órgão de (in)justiça do país está contaminado: "nós derrotamos o bolsonarismo para permitir a democracia e a manifestação livre das pessoas".
O que um juiz, da principal corte de uma nação, está fazendo em um evento político-partidário? O que se espera de um juiz? Essa postura é incondizente com o seu cargo e revela a real face (horrenda) desta corte.
Se Barroso estava num evento junto de membros da ideologia do atual governo, ao lado do ministro da justiça do governo, que é um comunista declarado, e profere discurso apoiando essa ideologia e que ressalta a sua luta contra a ideologia adversária do atual governo, algo de muito errado está acontecendo.
Juízes, de qualquer instância, precisam se conter em suas manifestações, sobretudo as de caráter político-parditário. O Judiciário é um dos poderes da República responsável por julgar ações declaradas por seus acusadores como ilegais ou ilícitas. Quanto mais o juiz se detém e fala nos autos, melhor para o julgamento imparcial e imparcial deve ser o Judiciário em democracias. É um dos principais requisitos democráticos: a imparcialidade do Judiciário. Está em todas as definições de democracia que tem respaldo na academia.
Não é a primeira vez que este magistrado faz algo desse tipo. Em abril do ano passado, em evento numa universidade americana, Barroso proferiu o seguinte discurso sobre as críticas, legítimas, diga-se de passagem, do então Presidente Bolsonaro, às urnas eletrônicas: "é preciso não supervalorizar o inimigo. Nós somos a democracia. O mal existe e precisamos enfrentá-lo, mas o mal não pode mais do que o bem". O mal, o inimigo, seria o ex-presidente. A imparcialidade passou a milhas de distância!
Outros ministros fizeram discursos parecidos, como foi o do ex-ministro Lewandowski em evento do MST, quando afirmou que todos devem escolher uma ideologia e que esta deve ser combativa. Num claro direcionamento político-partidário, o que não condizia com a sua posição à época. Se um juiz de uma suprema corte quer fazer discurso político ou coisa do tipo, deve solicitar afastamento de suas atividades, se filiar a um partido político e se candidatar a cargo representativo, deixando a atividade de julgar a um especialista com notório saber jurídico, reputação ilibada e imparcialidade inquestionável.
O discurso do Barroso foi o ápice do ativismo tacanho que se instalou no STF. O Judiciário brasileiro perdeu sua credibilidade faz tempo e as palavras de Barroso vieram como uma avalanche no meio político. Até o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, disse que a fala do Barroso foi "infeliz, inoportuna e inadequada".
É o fim da Justiça no Brasil!
Julgamentos nada claros e muito questionáveis afastaram da disputa política o principal representante da direita, o ex-presidente Jair Bolsonaro, e um deputado federal que recebeu mais votos em sua cidade, o ex-procurador da Operação Lava-Jato, Deltan Dellagnol. O primeiro está inelegível por oito anos e o segundo cassado por questiúnculas administrativas, ambos pelo TSE (puxadinho do STF) que é presidido por Alexandre de Moraes. O mesmo que manda prender sem direito ao devido processo legal e que instaurou um inquérito sem fim no STF, em que ninguém tem acesso ao seu conteúdo. É um tribunal inquisitorial.
Não vejo outra saída para Barroso que não seja o imediato afastamento de suas funções. Não têm credenciais morais para ser o novo presidente do STF. A corte suprema precisa retomar a sua posição de órgão do Judiciário responsável pela constitucionalidade das leis, pela revisão constitucional das tomadas de decisão dos outros poderes e do julgamento justo, célere e imparcial se limitando a isto, se distanciando dos debates político-partidários e retomando o seu papel técnico de julgador, pois urge essa retomada e estancamento de seu ativismo político danoso.
A democracia é um regime político no qual as liberdades civis e políticas lhe dão sustentação. O Judiciário não pode ser uma instância de poder político com ideologia "certa" a ser seguida. Se assim o faz, fere as liberdades civis e políticas que são a base da democracia.
O Judiciário em uma democracia liberal precisa ser contido no seu papel, dentro da divisão clássica dos poderes, como um poder moderador das intempéries naturais do debate político que se dá, única e exclusivamente, entre os poderes legislativo (que é a casa do povo) e executivo (que representa o substrato da vontade popular) e que receberam os votos dos cidadãos livres de uma Nação livre.
O Jucidiário não pode exercer tarefas administrativas do executivo e, muito menos, legiferantes do legislativo. Não cabe a ele este papel. A sociedade está representada pelos seus deputados e exerce a sua vontade nas tomadas de decisão dos governos que, se assim não fizerem, podem perder o poder em novas eleições livres e limpas.
Se um juiz diz que "nós vencemos" tal corrente política (corrente esta legítima perante boa parte da sociedade), esse juiz não pode ser mais julgador de nenhuma matéria, sobretudo aquelas ligadas a tal corrente política. Barroso se mostrou parcial e não tem mais condições de exercer a função que lhe foi delegada.
No Brasil, podemos dizer que a justiça está no seu fim. Se continuarmos a aceitar os desmandos déspotas do Judiciário, a democracia se transformará em uma tirania da maioria conforme o conceito tão bem elucidado por Alexis de Tocqueville e, consequentemente, em um regime autoritário promotor de eleições.
O Brasil já é um regime semiautoritário.
José Maria Nóbrega, doutor em Ciência Política pela UFPE