OPINIÃO

Oppenheimer(ando): sinais no cotidiano

Como diria Hannah Arendt em um texto publicado em 1969 "O Ponto Arquimediano", o que está em jogo são dilemas éticos e o nosso compromisso com o mundo (amor ao mundo). A ciência moderna pode desencadear processos difíceis de conter após iniciados.

ITALA DANIELA
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ITALA DANIELA
Publicado em 04/08/2023 às 0:00 | Atualizado em 04/08/2023 às 15:30
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Oppenheimer, de Christopher Nolan, contará história de físico americano conhecido como "pai da bomba atômica" - FOTO: TOTAL FILM/REPRODUÇÃO

Desde o dia 20 de julho Oppenheimer está nas telas de cinema nacional. O filme apresenta a história do físico, Dr. Oppenheimer, que ficou conhecido como o "pai da bomba atômica". Ao sair do cinema, ouvi um casal conversando e o destaque era o fato de que uma bomba atômica poderia acabar com a humanidade. De fato, isso pode ocorrer. No entanto, mais do que pensar as consequências de uma bomba atômica (muito importante no cenário geopolítico que estamos), o filme nos convida a refletir sobre os impactos da ciência na política, na economia e na sociedade.

Poderíamos apontar vários aspectos à comunidade científica, do qual eu também faço parte enquanto pesquisadora da área da Psicologia. Ademais, nesse momento, opto por destacar aspectos do cotidiano social e profissional que podem nos fazer resvalar em ações parecidas com a de Oppenheimer. Por isso, "transformei" o nome dele em um verbo (pedindo licença aos linguistas). Oppenheimer(ando), poderia ser o fato de darmos tanta ênfase as evoluções cientificistas ao ponto de eliminarmos o olhar para as questões éticas implicadas nos discursos profissionais e científicos.

Quais seriam, então, os sinais do cotidiano de Oppernheime(ar)? É comum, diante de acontecimentos sociais, trarei exemplos do campo da saúde mental, buscarmos explicações científicas e diagnósticos para as pessoas. Se alguém comete um crime de projeção nacional, tira a própria vida, comporta-se diferente do esperado, logo a mídia, a justiça e a comunidade recorrem aos profissionais das ciências psicológicas em busca de um respaldo científico para a segregação, exclusão e enquadramento daquela pessoa ou daquele ato.

Importa destacar que eu não estou diminuindo a importância da ciência no nosso cotidiano. Ao contrário, assim como o filme e tantos teóricos (cito aqui Hannah Arendt e Michel Foucault) o que alertamos é o fato de que a cientificidade sem compromisso ético e político pode colocar em risco a humanidade e não apenasum artefato como a bomba atômica. Há lampejos no cotidiano de práticas embasadas na ciência, que por não levar em consideração as reverberações sociais, pode colocar em risco a pessoa, a comunidade e a sociedade a partir do controle dos corpos. Práticas profissionais, diagnósticos, propostas terapêuticas, práticas pedagógicas e educacionais que a curto, médio e longo prazo, pode desencadear processos irreversíveis.

A nós, profissionais que embasamos nossas práticas na ciência, cabe-nos termos como pano de fundo os dilemas éticos que se revelam para nós a cada tomada de decisão. A cada pesquisa proposta, a cada atividade realizada em "laboratórios", a cada comunicação que fazemos à mídia ou aliança política que nos filiamos. Como esses atos gerarão contínuos de reações e impactarão a comunidade? Depois que as pesquisas, as teorias e os "resultados" saem de nossas mãos, caem numa teia de relações, inclusive no campo político, em que é difícil prever os impactos dos nossos "achados".

Como diria Hannah Arendt em um texto publicado em 1969 "O Ponto Arquimediano", o que está em jogo são dilemas éticos e o nosso compromisso com o mundo (amor ao mundo). A ciência moderna pode desencadear processos difíceis de conter após iniciados. Que enquanto sociedade e profissionais, lembremos sempre disso.

 

Itala Daniela, coordenadora e professora de Psicologia da Faculdade Nova Roma e doutorado em Psicologia Clínica

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