Certamente é histórico e pautado na presença circunstancial de militares na política brasileira.
Alguns pesquisadores sustentam que a falta de solidez nas instituições democráticas brasileiras desde a Proclamação da República, a gerar um histórico vácuo de poder, resultou, como consequência, em desvios de funções dos militares em muitos momentos da nossa história.
Outros, veem a insistência de copiar um perfil liberal anglo-saxônico, que defende a total subordinação do estamento militar ao controle civil, como inadequado diante da formação de nossas estruturas de poder, uma herança da colonização.
Tomando-se como aceitas as proposições acima, percebe-se uma dificuldade de conjugar a eventual flacidez de lideranças políticas, com a imposição de controle dessas lideranças sobre o estamento militar.
Apoio meus argumentos na vivência de quase quarenta e cinco anos como oficial formado na Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN) e que chegou ao posto de general de divisão do Exército brasileiro.
As Forças Armadas, como instituição de Estado, devem estar subordinadas ao poder civil, definido constitucionalmente.
Igualmente, o poder civil deve se valorizar e aprofundar a compreensão do papel dos militares, de suas missões e de suas idiossincrasias.
Só se ama o que se conhece, disse Santo Agostinho. Parafraseando o teólogo de Hipona, só se controla o que se conhece.
Enquanto não reinar subordinação consciente, com comando responsável, nós, sociedade brasileira, continuaremos a debater este assunto sem dar-se a ele um ponto final.
São três as principais missões atribuídas às Forças Armadas em qualquer nação: requerer, assessorar e executar.
Requerer meios físicos e humanos para cumprimento das tarefas inerentes a uma instituição que tem na força a ferramenta do seu emprego.
Assessorar lideranças políticas quanto aos cursos de ação a serem tomados para alcançar o objetivo militar por elas estabelecido.
Executar o curso de ação decidido pelo poder civil, projetando o braço armado sobre os antagonismos que se apresentem.
Para a preservação da soberania de um país é necessário planejar e aplicar políticas consistentes nos campos institucional e operacional.
Entenda-se como política institucional a que se baseia na mais alta legislação vigente, oferecendo uma direção estratégica para tratar a concepção operacional a ser formulada e executada.
A política operacional, por sua vez, concentra-se em proporcionar projetos que disponibilizem os meios para enfrentar as ameaças à segurança, em todas as dimensões do campo de batalha.
Ambas as políticas precisam ser compatíveis com os anseios imateriais, os interesses materiais, as possibilidades e limitações da nação ao enfrentar os problemas que se apresentem.
É sobre as questões institucionais que normalmente se trava o debate público aqui no Brasil, uma postura distinta de outros países que consolidaram suas relações entre civis e militares no fragor de contendas desconhecidas em nossa sociedade.
O nosso modelo institucional sob o qual vige as relações civis militares ainda tem muito de ideológico, olvidando que Forças Armadas, como agentes do Estado, não rezam credos políticos, mas oram por orçamentos, equipamentos, recursos humanos e reconhecimentos.
Discute-se, em alguns fóruns, sobre reformas na carreira, missões, leis etc. Qual o propósito dessas reformas se não estiverem acompanhadas de ampla discussão?
O objetivo é melhorar a dissuasão e projeção de poder, ou apenas controlar ideologicamente o estamento militar em uma peleja que a todos, fardados ou não, compromete?
Há muitas outras questões a serem iluminadas se houver verdadeira disposição de sentar-se à mesa para elaboração conjunta de um pensamento sobre essas relações: tipo de recrutamento e manutenção de efetivo das forças. Ainda, questões de organização, composição e equipamento. E mais, tipos de material de emprego militar, localização de unidades, programas de ação, diplomacia militar etc.
O debate é amplo, complexo e perene, mas jamais deverá ser rasteiro. E, nunca demais afirmar, o Exército foi, é e será sempre "de fato" da sociedade brasileira.
Otávio Santana do Rêgo Barros, general de Divisão da Reserva