OPINIÃO

Merecemos Mais

A Lei Maria da Penha precisa ser cumprida na sua integralidade, especialmente no que tange a questão da prevenção, elo frágil no propósito de evitar que mais mulheres morram por serem mulheres.

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GISELE MARTORELLI

Publicado em 07/08/2023 às 14:59
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Uma conquista histórica como a inclusão do feminicídio no rol dos crimes hediondos voltou a ser alvo de debates quando, no dia 1º de agosto de 2023, o STF concluiu o julgamento da ADPF 779, declarando por unanimidade a inconstitucionalidade da tese de legítima defesa da honra, nos casos de feminicídio no Brasil. Com isso, baniu dos tribunais brasileiros a tese de legítima defesa da honra, nos fazendo pensar: “Por que tão tarde? Por que tão pouco? Ainda que celebremos, como é devido, o fato de advogados não mais poderem sequer mencioná-la como argumento de defesa ou acusação, sob pena de invalidarem julgamento, não há como disputar: foi tarde e é pouco.

No dia de hoje, em que comemoramos os 17 anos da Lei Maria da Penha, outro grande avanço, ainda somos confrontados por cenas estarrecedoras que, propagadas pela onipresença das redes sociais, nos atingem como um soco potente desferido por uma realidade cuja violência é orientada por questões de gênero.

O vídeo que mostra uma jovem mulher sendo abandonada na calçada por um homem, à própria sorte, desacordada, para depois ser carregada como um fardo de carne, e submetida a estupro, por um segundo homem, é mais do que repugnante. É simbólico.

A legitimação, ou naturalização, da agressão contra os corpos femininos se revigora também através de argumentos que culpabilizam mulheres que foram sujeitas à violência. Pode não parecer, mas a “legítima defesa da honra” e esse drama capturado por câmeras de um circuito de segurança estão conectados. Unidos que são pelo conceito machista do “Fez por merecer”.

Embora a tese de legítima defesa da honra tenha sido abolida desde 1940 do Código Penal, ela ainda era, até muito recentemente, comumente utilizada nos tribunais. Ou seja, o discurso continuou circulando, penetrando e agindo sobre as decisões de jurados e juízes. Ao lado das justificadas reações de repulsa pelo crime duplamente cometido (pelo motorista de aplicativo e pelo estuprador), surgiram comentários de internautas que consideravam o estado de embriaguez da vítima como uma permissão para o que aconteceu. “Mereceu morrer porque traiu” e “Mereceu ser estuprada porque bebeu demais” são frases que compõem um tecido social de dupla face.

A Lei Maria da Penha precisa ser cumprida na sua integralidade, especialmente no que tange a questão da prevenção, elo frágil no propósito de evitar que mais mulheres morram por serem mulheres. A revitimização é fator cotidiano entre as mulheres que reivindicam justiça. Em frente às autoridades, que deveriam proporcionar-lhes segurança e outros direitos, tornam-se novamente vítimas da violência, através de um atendimento precário aliado ao já conhecido tratamento de suspeição, tendo seus relatos desacreditados, sendo mandadas de volta para casa onde, quase sempre, a aguarda o agressor. É por isso que precisamos insistir: “Merecemos mais e já demorou demais”.

 Gisele Martorelli, advogada

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