OPINIÃO

O preço da esperança

Saúde é diferente de um carro de luxo que compra quem quer e pode.

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SÉRGIO GONDIM

Publicado em 18/08/2023 às 0:00 | Atualizado em 18/08/2023 às 15:09
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Uma vida não tem preço, mas médicos e pacientes estão sofrendo com os custos para acessar os avanços da medicina. Várias conclusões da ciência, de tão superiores, devem passar rapidamente à primeira linha, desde que sejam custo efetivas. Economizar com tratamentos desatualizados, mesmo em doenças comuns como diabetes ou insuficiência cardíaca, além de comprometer a qualidade e quantidade de vida dos pacientes, costuma cobrar uma conta mais alta depois, com o agravamento, mortes ou sequelas. O tratamento correto desde o início é um investimento na vida, mas não tem sido oferecido à maioria porque chega ao paciente com preços escandalosos.

Saúde é diferente de um carro de luxo que compra quem quer e pode.

Em julho de 2023 foi aprovado um medicamento para o tratamento da doença de Alzheimer. Trata-se de um anticorpo direcionado a uma proteína que se deposita no cérebro e parece ter relação com a perda da função cerebral. A aprovação decorreu da observação de uma pequena melhora clínica nas escalas cognitivas, ainda longe de significar muito para vida dos pacientes, mas abrindo portas para uma linha que poderá oferecer melhores resultados. Envolve alguns riscos e, principalmente, um elevado custo que implica na exclusão de muitos pacientes elegíveis ao redor do mundo. Cada mililitro do medicamento custa $152.89 dólares. Significa $2140.32 ao mês, fora os custos para aplicação, monitorização e cuidados com os efeitos colaterais. Representaria entre 2 e 5 bilhões de dólares adicionais no custo anual da saúde dos USA.

Em outro exemplo que mais parece um filme de ficção, filtra-se um tipo particular de célula do sangue e, no laboratório, promove-se sua reprogramação genética, adicionando uma proteína (um navegador), que confere às células do paciente, capacidade para identificar e combater as malignas. Multiplicadas, são reinfundidas no paciente e saem à caça do câncer. Foi preciso muito de ciência e tecnologia para chegar ao uso clínico de tal tratamento que já está sendo aplicado. Seria uma maravilha, se não fosse o custo do treinamento das células do sistema imune para encontrar e destruir células cancerosas. A dose custa de 373.000, chegando a 419.238 dólares com os serviços adicionais necessários. Meio milhão de dólares por paciente.

Dessa forma, avanços da ciência passam a ser rejeitados em alguns sistemas de saúde, por não serem considerados custo efetivos.

Esse é um drama atual. Promove-se o avanço para esbarrar no preço que compromete o equilíbrio financeiro dos governos, retira recursos da saúde básica que salvaria muito mais vidas, inviabiliza os planos privados de saúde, restringe o acesso e o cumprimento do dever do estado, fere a ética da igualdade, a humanidade e a esperança em um mundo melhor.

Tratamentos precisam ter comprovação científica, mas também lógica financeira. A cura anunciada para poucos, dissemina o câncer da injustiça, salva alguns, mas quebra o sistema de saúde da maioria.

Enquanto isso se passa diante dos nossos olhos, o mundo prefere gastar com bombas, destruição e mortes. Lutam contra o inimigo errado, desperdiçando dinheiro que poderia constituir um fundo internacional capaz de financiar vidas.

Elas não têm preço. Resta saber quem paga a conta.

Sérgio Gondim, médico

 

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