OPINIÃO

Enigmáticos caminhos

"O único mistério do Universo é o mais e não o menos. A minha ideia do Universo é que é uma ideia minha".

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FÁTIMA [email protected]

Publicado em 30/08/2023 às 0:00 | Atualizado em 31/08/2023 às 15:29
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O barulho se fazia vibrante naquela tarde chuvosa. O cenário tipificava a realidade do dia: janela fechada, o vidro impedia o alagamento da sala. Tinha a sensação de uma prisioneira impossibilitada de andar pelo mundo. Mas, ao mesmo tempo, o som me trazia a aspiração de conviver com a paz, ou seja, de andar de um lado para o outro plena de interioridades. Olhava a sala, os quartos, as varandas, tal qual uma livre prisioneira. Gosto de sentir o lar na sua intensa demonstração de afeto. Há algo de irmandade entre os aposentos que me cercam. Neles aprecio sobretudo a integração do Eu. Ando à toa por entre uma privacidade que cativa. Desde o anoitecer até o amanhecer o Lar me encanta. Há algo de sigiloso por entre suas veredas. Vou e volto como se a vontade almejasse apenas o impulso de caminhar entre quatro paredes, naquele instante de uma tarde qualquer.

O crepúsculo encanta mais ainda. A passagem entre o sol e a lua estimula a entrega aos pensamentos. Quase uma suposta clausura que leva a acreditar nos sigilos. Gosto de revolver-me interiormente como se o tempo ensinasse a envelhecer. E será que não ensina? Cresço dia a dia na dinâmica do ego. São tantas as interrogações que urge conhecer o âmago da ipseidade. Serei eu única na ansiedade de mim mesma? Creio que não. Todos se atraem pelo intenso impulso interior. Vou e volto em viagens que acalentam. O desnudar-se acontece todos os dias, sem o menor descaso ao desconhecido.

Sempre e sempre um permanente vigiar. Desde quando me interrogo? No momento em que assumi o pensamento. Entrego-me ao âmago de mim mesma sem receio de enganos ou dúvidas. Nada me basta. Urge que os segredos se renovem, minuto a minuto. Então, serei capaz de ir adiante. Que as "verdades" se interliguem entre as mentirinhas. Estranho? Não parece. Impossível definir-me. Estarei sempre na busca de alguma coisa. A caminhada não se restringe a pequenas soluções. Longe disso. Todos os sonhos me cativam. Serei sempre medíocre face à capacidade de inventar-me. Necessito entender os passos, um a um. Nenhum a menos, absolutamente todos; união perfeita que se alonga por entre tempos enigmáticos. Não busco soluções. Entrego-me por inteiro às vibrações internas. E as perguntas crescem sem limites.

O ato de viver atinge o clímax quando os mistérios se apossam da alma. Não sei quem sou. Algum dia saberei? Nunca. As dúvidas se dilatam na ansiedade de cada dia. Preciso recriar-me para existir em profundidade. jamais abandonarei a ânsia da existência. Afinal, a cada instante renovo o bem-querer e a caminhada se dilata de modo a extrair o que há dentro do âmago. São tantas as surpresas! Que o curso das vibrações permaneça sempre e sempre. Direi apenas que a intensidade de cada um se diferencia para alongar-se no enigma do infinito. O poeta define: "O único mistério do Universo é o mais e não o menos. A minha ideia do Universo é que é uma ideia minha".

Fátima Quintas, da Academia Pernambucana de Letras-

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