Opinião

O pescador e o Rolex

Fim de semana em Salvador, conversa com o neto de Jorge Amado

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SÉRGIO GONDIM

Publicado em 01/09/2023 às 21:14 | Atualizado em 01/09/2023 às 21:25
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Fim de semana em Salvador, conversa com o neto de Jorge Amado. Lembrou de Maria Farinha onde a certa altura o avô se escondeu para conseguir escrever. Na casa de praia, se divertia com o caseiro preguiçoso que, operado de apendicite há décadas, não gostava de mentir, mas também não gostava de fazer nada. Sempre que solicitado para uma água de coco ou uma providência qualquer, respondia na hora: Doutor, não vai dá, sou operado!

Lamentei que não tivesse atravessado o canal para Catuama onde o caseiro também não era muito disposto, mas pescava e ficava com um terço do produto da pescaria. Dois terços eram do companheiro, por ser o dono do barco. Para melhorar rapidamente de vida, em um terço, bastaria ter uma pequena canoa. Foi providenciada. Presente muito melhor do que o bolsa família, pois teria o peixe e já sabia pescar.

Dias depois, viu-se o barquinho entrar no mar com dois outros pescadores. O caseiro não foi mais. Caiu na rede e de lá não saiu. Depois que ganhou o barco virou empresário.

Mas rapaz estão pescando com seu barco, assim você vai continuar ganhando um terço!
Doutor, já fiquei muito tempo de molho na maré.

Eu sei, mas você poderia ir pescar e melhorar de vida, poupar para o futuro. Está vendo “Decente”, pescador velho já curvado pelo tempo, ainda precisa ir à maré para sustentar a família. Se você poupar agora, poderá descansar no futuro.

Entendi Doutor. O Sr. quer que eu trabalhe agora para descansar no futuro, mas eu prefiro descansar desde agora!

Na rede estava, na rede ficou.

Ah! se Jorge Amado tivesse atravessado o canal. Haveria tanta inspiração que seria impossível sustentar a injustiça de não receber o Nobel.

Outra história se passou na feira de Surubim, em meio ao realismo fantástico do Brasil. Havia uma banquinha improvisada, mais acanhada impossível, especializada na venda de relógios Rolex. Legítimos, a vinte reais.

Muito caro!
Mas vale Doutor, faz figura.

É de corda?

Bateria, moderno, automático.

A prova d’água?

E apois! Pegou um copo com água já pronto e mergulhou o Rolex para mostrar que era a prova d’água.Naquele ambiente sério de negócio, aflito com o relógio submerso, sugeri que não demorasse na prova: Tire logo, ele pode se afogar!

Afogar não afoga não, doutor, mas as vezes dá uma suadinha!

Pois é, todo Rolex tem uma história. Tem delas que fazem rir, outras são de chorar.Tem gente quecompra,que ganha, que rouba, que vende, tem até quem recompra.

Acho melhor ficar fora desse negócio. Sou operado e prefiro descansar desde agora.

Sérgio Gondim, médico

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