Comendador Capiba
O livro conta com apresentação de Ariano Suassuna, prefácio de João Alberto Sobral, além de depoimento de Fernando Machado, de republicação de artigos de Leonardo Dantas Silva, de Aldo Paes Barreto, do próprio Luiz Felipe e um da minha autoria
O título em epígrafe dá nome ao livro, recém-lançado, de autoria do jornalista e escritor Luiz Felipe Moura, infatigável nas pesquisas realizadas sobre Lourenço da Fonseca Barbosa, o nosso – nossíssimo – Capiba, em boa hora de volta à cena cultural de Pernambuco, após alguns anos no esquecimento causado, ora pela pandemia, ora pelo desatino do recifense que não tem por costume cultuar os valores da inteligência pernambucana.
O livro conta com apresentação de Ariano Suassuna, prefácio de João Alberto Sobral, além de depoimento de Fernando Machado, de republicação de artigos de Leonardo Dantas Silva, de Aldo Paes Barreto, do próprio Luiz Felipe e um da minha autoria.
Luiz Felipe, mais do que colega de Capiba no Banco do Brasil, gozou de sua amizade durante grande parte da vida do músico e compositor de Surubim, recifensizado, amoroso e, à Joaquim Nabuco, um cativo do Recife.
Por coincidência, guardadas as devidas proporções, também pertenci a esse enlace de muita amizade e admiração. Dele e de Zezita Barbosa, de há muito sua viúva, mas esposa-companheira, partícipe de sua vida social e cultural, afetuosamente solidária.
Moura reuniu vasto material jornalístico veiculado nos jornais de nosso Estado, como também, para deleite dos seus leitores, publica várias das tiradas desse menino traquino, pelo que ganhou, na infância, o carinhoso apelido de Capiba, que tinha o humor na ponta da língua.
O casal Capiba tinha por hábito, aos domingos, almoçar no então Porcão, churrascaria de Boa Viagem, muito bem frequentada. Alternativamente, éramos convidados, eu e Elaine, para esse cometimento gastronômico regado a deliciosa conversa.
Num desses encontros dominicais, na saída, fomos afetivamente chamados por ele à sua casa, na Rua Barão de Itamaracá, 369, no Espinheiro. Após algumas rodadas de Limoncello, licor fino de limão siciliano, veio, sob o testemunho de Zezita e Elaine, o pedido de Capiba, mais ou menos com as seguintes palavras: – “nego, vou te falar uma coisa: na minha sepultura, peço-lhe colocar o seguinte epitáfio: De saudade, a gente vive / De saudade se morre também. / Se eu tiver que morrer um dia / Eu prefiro morrer de saudade.” Desejo realizado, coloca Felipe Moura na contracapa do seu precioso livro.
Felipe, que anotou quase todos os casos e causos relatados pelo biografado, um deles causou frisson: Capiba chegou numa roda de conversa e o seu chefe no Banco do Brasil estava relatando a doença da esposa, quando disse: ela já tomou injeção de mofina, já tomou corticoide, anti-inflamatório, não sei mais o que falta tomar. Capiba chegou e disse: está faltando tomar no dito cujo.
As pessoas se dispersaram para surpresa do autor da frase, que somente depois ficou sabendo da gafe cometida. No seu livro de Ocorrências, Capiba dá um conselho: não entre no meio de conversa, você poderá passar por vexame.
De uma feita, aí sou eu quem conta, acompanhando Capiba em cima de um trio elétrico, num desfile do Galo da Madrugada, ele me diz: – nego, estou passando mal. Sabendo-o portador de cardiopatia grave, desci, com ele, do trio e atravessamos o mar de gente rumo à emergência hospitalar.
Nessa travessia, contei com o apoio dos militares da Polícia Militar de Pernambuco, que o carregaram pelos braços. O emocionante foi a reverência do povo abrindo espaços, corredores, à passagem do grande compositor de frevos do nosso Estado, também compositor de valsas, tangos, canções, até de música erudita.
Confesso, leitor, levei um baita susto, mas a reverência do povo foi um espetáculo emocionante e comovedor.
No hospital, o cardiologista atestou alto e em bom som: não tem nada, você está bem. Ele, de pronto, virou-se para mim e disse: – nego, vamos voltar para o Galo? Com o coração cortado, disse-lhe: não, Capiba, vamos para a sua casa descansar, é mais prudente. Fomos!
No dia 31 de dezembro de 1997, por vontade de Deus, Capiba foi passar o réveillon no céu, frevando à direita do Pai, após 93 carnavais, deixando um legado que é “Madeira que cupim não rói.”
Roberto Pereira, ex-secretário de Educação e Cultura de Pernambuco e membro da Academia Brasileira de Eventos e Turismo (Abevt).