OPINIÃO

A Independência do Brasil vista de Pernambuco

Os dez volumes da Coleção Pernambuco na Independência 1822-2022 constituem uma das maiores, senão a maior, iniciativa editoral brasileira focada exclusivamente no processo de Independência

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GEORGE CABRAL

Publicado em 05/09/2023 às 0:00 | Atualizado em 05/09/2023 às 15:52
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A história do processo de Independência do Brasil tem sido contada até hoje, quase sempre, pela perspectiva enviesada produzida inicialmente pela historiografia oficial da corte imperial no século XIX. Na leitura do passado elaborada pelos áulicos da monarquia bragantina brasileira, o processo teria sido centrado na figura do príncipe português Pedro de Alcântara e nos agentes do seu círculo político. O cenário para os fatos mais importantes teriam sido as províncias do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. Tudo o que ocorreu em outras partes do país nos agitados anos iniciais do século XIX, quando as tramas que levaram à nossa separação política de nossa antiga metrópole se desenrolavam, passou a ser tratado como história meramente local ou simplesmente caiu no esquecimento provocado pelo silenciamento intencional. Em livro didático publicado recentemente por editora sudestina para estudantes do 8º ano do ensino básico não há sequer menção à Revolução de 1817, o mais vanguardista projeto de independência gestado em terras da América portuguesa e o primeiro movimento anticolonial que logrou tomar o poder. Longe de ser apenas uma disputa historiográfica sem maiores consequências, a questão atravessa diretamente o desenvolvimento posterior de um Estado altamente centralizado e voltado para o eixo formado pelas três mencionadas províncias, em detrimento do restante do país.
As celebrações do Bicentenário da Independência, iniciadas em setembro de 2021 e que se aproximam de sua conclusão no próximo aniversário do “grito do Ipiranga”, a despeito da tumultuosa situação que atravessava o país, serviram como provocação para novas e necessárias reflexões sobre o processo, bem como para revisitar o pensamento produzido no passado e as próprias fontes históricas produzidas há duzentos anos. Surgiu assim, por iniciativa da Companhia Editora de Pernambuco, a coleção Pernambuco na Independência 1822-2022, composta por dez títulos. Os primeiros cinco títulos foram lançados em setembro de 2022 em concorrida solenidade no Instituto Arqueológico. Fechando o ciclo do Bicentenário da Independência, os cinco títulos remanescentes estão sendo entregues ao público pernambucano e brasileiro. Todos com esmerado projeto gráfico e, no caso dos títulos republicados, atualização ortográfica e indexação.
Na segunda fase da coleção encontramos uma nova edição do livro O patriotismo constitucional: Pernambuco 1820-1822, do historiador Dênis Bernardes (1947-2012), que nos apresenta um detalhado panorama dos anos iniciais do século XIX em Pernambuco, quando se gestam as dinâmicas que repercutem diretamente no desenrolar do complexo processo de adesão dos pernambucanos ao Império do Brasil. Uma outra leitura destes fatos e de seus impactos nos anos seguintes à emancipação pode ser encontrada no livro Pernambuco: da Independência à Confederação do Equador, do jornalista e escritor Barbosa Lima Sobrinho (1897-2000), que reúne duas conferências pronunciadas no Recife e no Rio de Janeiro em 1974. As reflexões sobre os fatos, os agentes históricos e os intérpretes do processo de formação do Brasil, a partir da perspectiva da pernambucanidade, são o lastro para os escritos do jornalista, professor e historiador Nilo Pereira reunidos em volume por nós organizado com textos selecionados por André Heráclio do Rêgo e prefácio de Roberto Pereira. Intitulado Seleta de Nilo Pereira: histórias e personagens, o livro contém 28 textos produzidos ao longo das profícuas décadas de atividade intelectual de Nilo Pereira. A Cepe traz também ao público uma terceira edição da Biografia de Gervásio Pires Ferreira, escrita por um participante direto dos fatos narrados, Antônio Joaquim de Mello (1794-1873). A primeira edição foi publicada postumamente em 1895. Gervásio Pires (1765-1836) é uma das mais importantes figuras políticas de Pernambuco na primeira metade do século XIX. O livro enfoca, principalmente, os fatos ocorridos durante os meses nos quais ele presidiu a Junta de Governo de Pernambuco (outubro de 1821 a setembro de 1822), momentos cruciais para a formação do Brasil independente. O conjunto de livros entregues ao público se completa com o volume Fontes para a história da Independência do Brasil em Pernambuco, que organizamos em parceria com o colega historiador Josemir Camilo de Melo. Nele reunimos oito documentos históricos produzidos entre 1821 e 1823 e que são fundamentais para a compreensão do processo de independência em Pernambuco. Destacamos as atas produzidas pela Junta Governativa de Goiana, os registros da Convenção de Beberibe, as alegações das últimas autoridades portuguesas na província e os documentos relativos à atuação de Gervásio Pires Ferreira com presidente da junta de governo de Pernambuco. Alguns destes documentos já foram publicados, mas chegam agora com atualização ortográfica, notas explicativas e índice onomástico, tudo com novo projeto gráfico que facilita a leitura.
Os dez volumes da Coleção Pernambuco na Independência 1822-2022 constituem uma das maiores, senão a maior, iniciativa editoral brasileira focada exclusivamente no processo de Independência. Sua elaboração consumiu quase três anos de trabalho e contou com a participação de uma equipe de 20 pessoas, incluindo autoras e autores e equipe técnica. Pernambuco pode se orgulhar, portanto, por deixar um dos mais consistentes legados da celebrações do Bicentenário da Independência. E mais, faz isso revisitando suas raízes e oferecendo reflexões que transitam por diversas concepções de história e de mundo, mas que convergem para a necessidade de conhecermos e divulgarmos nossa participação na formação do Brasil.


George Cabral , historiador, professor da UFPE e membro efetivo do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano e da Academia Pernambucana de Letras.

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