OPINIÃO

O desalmado Titanic

O que aconteceu com o Titanic, do seu nascimento até sua morte, é uma tenebrosa história, com ressaibos de determinismo e mal- assombro.

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ARTHUR CARVALHO

Publicado em 05/09/2023 às 23:53
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Almoçando com o Almirante Leandro, paranaense que adora o Nordeste, e o lendário Prático da Barra Luiz Augusto, o Lula de ótimos artigos no DP, eles me disseram uma coisa muito bonita, que nunca mais esqueci: que ao caminharem pelo convés ou tombadilho de um navio, eles sentem e conhecem se o navio tem alma ou não. Se ele tem ou não caráter. Como reagirá numa tempestade, mar encapelado, mexido e picado, como os veleiros comandados por Joseph Conrad.

Isso vale pra tudo na vida. Pros galos e canários de briga, times de futebol - uns, de camisa tradicional, que impõem respeito ao adversário, que lutam até o fim da partida, até o apito final do árbitro, a chamada camisa pesada, pros lutadores de boxe, luta livre e cavalos de corrida.

Na véspera dos grandes prêmios, os puros-sangues ingleses sentem, na flor da pele, pelo movimento frenético do Jockey, treinadores, tratadores, apostadores e veterinários, repórteres e fotógrafos, que o dia da corrida principal se aproxima. E começam a ficar nervosos, dormir e comer mal - se uma barata passar em sua ração, ele a rejeita - e torna-se indócil no cânter e na fita de largada.

A propósito, o poeta simbolista Gabriele D'Annunzio, autor de Primo Vere, esteta e mundano por excelência, dizia que as duas coisas mais bonitas do mundo são um cavalo de corrida suado e um pé de mulher bonito.

Acompanhei, na medida do possível, pelos alfarrábios, a saga, o drama do Titanic, desde sua construção, até seu naufrágio, bem como do seu "filhote" Titan. E continuo impressionado e perplexo com a incrível sucessão de episódios trágicos e misteriosos que acompanharam sua breve e infeliz existência, fazendo-me reportar, por inversa analogia ao conto clássico de Hemingway, A breve e feliz existência de Thomas Macomber.

O que aconteceu com o Titanic, do seu nascimento até sua morte, é uma tenebrosa história, com ressaibos de determinismo e mal- assombro. Imitando os títulos dos velhos faroestes americanos, ele estava "marcado para morrer". E consegui levar, em arriscado e temerário mergulho, o pequeno Titan, pras profundezas escuras do oceano.

Por sorte do destino, escapei de morrer afogado no torpedeamento do Araraquara, ao largo do litoral sergipano, na Segunda Guerra Mundial.

Arthur Carvalho, da  Academia Olindense de Letras - AOL.

 

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